quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Despi-me de meus ossos brancos
tornei à maleabilidade macia, morna,
de uma carne surrada por anos,
que cede à impotência diante da sina.
Evito assim as quebraduras, as luxações
inúteis, herdadas dos embates da vida,
bebedeira de anos, embrigado de sonhos
interrompidos pela doce luz da lúcida
manhã, estrangeira, portadora de novas
e velhas histórias que se repetem na roda
dos azares antigos, redesenhando o mundo.
Porém, não estou quebrado, tenho a suave
maleabilidade daqueles que deixaram
seus ossos pelo caminho e vivem com
a carne mole, tépida, que cabe numa mala
de viajar e espiar o mundo em seus auspícios.

Uma flor brotou da maçã de teu rosto,
tive vontade de tocar essas pétalas rosas,
mas apenas contemplei o jardim juvenil
de teus anos de debutante frente ao espelho.
Vi o reflexo e a pessoa, imaginações
distantes de meus dedos gotejantes
de orvalho que queriam chover sobre
tuas faces de augustas estreias.
Olhei o avesso de teus olhos e amei
mais a mim refletido nessas órbitas
aprisionado por vontade à íris úmida
do que ao jardim de tuas faces
de onde brotavam pétalas de rosas
como convite ao amor e ao desafogo.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Olhei, olhaste. E nessa longa
guerra muda, gastamos dias, meses,
horas de uma angústia confortadora
e silenciosa de gritos emudecidos no peito.
Só, calado no nobre gesto de olhar e ser olhado
 como se as pálpebras levemente pousadas 
me privassem da leve ausência de uma luz escura
capaz de iluminar sonhos e esperanças desfeitas.
 Fatalmente, quando trocamos esse gesto
de olhar pelo tocar suave dos lábios,
esses túmulos mudos que selaram eternamente
a ausência desse vazio deixado pela separação,
soube que a perda era inevitável e chorei minha
prece sozinho pelos olhos que tanto cultuei
em devoção legítima de adorador fiel.



Eu que te marco com as horas
nessa roda incessante de girar
que consumo meus dias em lamentos
em solidões deliciadas na pauta da manhã,
caminho pelas ruas estilhaçado por dentro.
Sangro sem que ninguém veja o rubro
líquido correr quente pelas veias
quando queria apenas esvair-me
pelos olhos, exorcizando-me de ti,
de mim, sendo outro, porque assim
seria possível viver de novo e não
caminhar como o autômato que
viu a alma partir num sereno adeus
definitivo que levou-me contigo
naquele último olhar atirado para trás
porque os beijos ficaram apenas na memória.


terça-feira, 11 de agosto de 2015

Tenho olhado muito pouco para fora de mim
nada vejo além do horizonte de minha íris,
invertida nos labirintos de um corpo às avessas.
Não posso suportar o pavor de me revelar
no quarto escuro das fotos familiares.
Nada fiz para merecer o retrato
para ficar exposto às comparações
genéticas inevitáveis da febres familiares.
Aquele olhar de loucura também habitou
outros corpos que saltavam das pupilas
para o manicômio das lentes fotográficas.
O cacto, o cacto, o cacto plantado
em frente à minha casa, desafiador
no seu verde espinhento, agourento,
é insólito como os pesadelos das horas
sagradas na noturna cama de horrores.
O cacto me olha, enviesadamente,
como se cravasse na palma de minhas mãos
suas unhas tutelares em busca do sacrifício.
Anseiam crucificar-me na calçada seus espinhos
e só eu o olho, estático, fascinado pelo seu

verde estranho que me condena à contemplação.
Abandonei este jardim de esperanças ativas
na expressão de um olhar ausente
fora de mim, deslocado da realidade,
certo de que o mundo se retirava
para um plano desconhecido e insólito.
Não pude resistir a um último olhar
deixar aquele vago adeus no ar
na promessa de uma volta nunca pensada.
As despedidas sempre prometem a volta,
mas deixam apenas a certeza da dor ausente,
esse olhar estampado na janela a acenar ao nada
como os quadros dos mortos na parede da sala,
sempre fixos numa eternidade incompreensível. 

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...