segunda-feira, 30 de junho de 2014

Crime mental

Mentalmente já matei muita gente.
Juro que as mãos tremiam
e o cenário estava tingido de sangue.
As notas dos tiros surdamente disparados 
lavavam minha honra
saciavam minha sede de vingança.
Ao último estampido despertei.
Subitamente olhei-o nos olhos:
a suposta vítima.
E escapou de meus lábios apenas um passar bem.
 

Desilusão

As ninfas se beijaram
e perdi meu amor.
Descobriram elas o doce
prazer do mesmo sexo.
Sem adeus, nem despedidas
elas se foram de mãos dadas.

Livro infinito
roda do tempo eterno
sua repetição lenta
afeta meus nervos.
Leio há décadas
o mesmo livro.
Autores diferentes
traçam por linhas
histórias iguais
ocultas pela capa
do discurso poético.


Manacá de tons violáceos
brotam de teu centro
tentáculos coloridos de 
aranha multicolor,
emaranhando meus olhos
em doce teia natural.


A visão do Manacá

Parei, parei e olhei uma flor,
na verdade, uma árvore em flor.
Todos os passantes a ignoravam.
Parei por pena, sem saber
que ela tinha pena de mim,
pena de todos os homens
incapazes de ver, cegos
para as lindas flores
que acenavam para eles.

Lua negra agitada na cama.
Sua pele brilha à noite,
desfazendo-se em gotas de suor.
Encarcerada em seu quarto
chora o amor impossível,
gesto único de sensualidade reprimida.
Trajando um véu branco
dança seu rancor solitário.
Pranto de um amor perdido;
abrolhos negros brotam de seus olhos,
o peito agita-se ofegante
à mínima luz da lembrança.
Ópera ensandecida, gutural
dos desejos vedados ecoa
pela janela tingindo a noite de negro.

domingo, 29 de junho de 2014

Um verbo e um substantivo.....
um sujeito oculto...
não tão oculto assim..
Reconhece-se sua voz
e ela ecoaoaoaoaoaoa
como marteladas em um sino.
Como aquelas palavras não ditas
mas sabidas,
tornei-me objeto de teu verbo.

Passageiro de mim mesmo
me fiz caminho e passagem
partida e chegada
estrada e acostamento.
Mas nem sempre se pode caminhar só
e nas passagens, nas idas e voltas
no caminho solitário saí da rota 
e vi teus olhos.
Minhas estradas ficaram curtas
meus caminhos estranhos
desconheci-me como passageiro e estrada.
Nunca é fácil ir acompanhado
quando se acostuma viajar só.
 

Segredos de condôminos

A vizinha do andar inferior
não gemeu, apenas suou
ouvindo o sexo de cima.
Gozou calada com a vassoura na mão.
Não houve nesta noite o toc toc toc
da relação fálica estéril.
E o casal do andar superior
em suas estreias libidinosas
amou livremente,
indiferente ao amor da moradora
solitária com sua vassoura na mão.
 
Olho o teto adornado de manchas
madeira velha, tinta antiga amarelada
goteira incessante de anos.
Prisioneiro de meu quarto
contemplo a solidão da tarde.
Mas não gosto da noite
a luz filtrada pela janela
denuncia o horror do anoitecer
e as manchas do forro tornam-se enormes
deixando o passado imerso 
em densa neblina.

sábado, 28 de junho de 2014

A mesa vazia
compartilha jantares antigos.
Vozes sussuradas
gestos inexistentes.
Olhares apagados
sorrisos escurecidos
por uma boca desdentada
que sugou a essência
dos seres que ali sentaram.

O sino da igreja badala
anunciando as ave-marias.
Uma voz negra reza pais-nossos
lúgubres em meio ao lusco-fusco.
O manto escuro da noite se estende
e uma tristeza invade o céu escuro
de séculos, guerras e desavenças familiares.

terça-feira, 24 de junho de 2014

A menina admira a fonte.
Um anjo de pedra cinza
em meio ao ladrilho da praça.
Vê em sua adroginia
um amor irrefreável; solta as asas
de sua antes pudica imaginação.
E beija o anjo de pedra em seu sexo
engolindo o jorro abundante de água quente.
Água reveladora de mais um
anjo que perdeu suas asas. 

O poeta crê tão piamente em sua solidão
que faz desta invenção sua verdade.
Vive, chora e sofre
a ausência inexistente.
Não sabe bem por que chora
por quem sofre, mas vive
só em sua ilusão de uma vida vazia.

No pelourinho à noite
ainda soam vozes negras
misturadas ao som da chibata
e dos atabaques sonantes
numa dança nervosa
que imita o jogo de capoeira.
Ali as almas negras
choram seu choro de séculos
ocultas pelo colorido das construções
admiradas à luz do sol.

O relógio em meu pulso
devora segundos, minutos, horas.
Meus dias escorrem no girar
dos ponteiros que se
cravam em meu coração
esvaindo a vida nas
horas mortas em que
os ponteiros não cessam de girar.
 
Ouço vozes de um passado distante
a charrete desliza macia
interrompida apenas pelo bater
dos cascos do cavalo marrom.
Os tambores de leite
as garrafas brancas
deixadas na porta de casa.
Cheiros de um café da manhã
paralizado para sempre
numa mesa de madeira
ao lado do fogão de lenha.
Recebo um soco no estômago
abro os olhos
e vejo que estou sozinho.
 

Nascimento

Força! Força!!
Force! Force!
Empurre! Empurra!
Respire! Respire!
Vai! Empurra!
Assim somos empurrados para o mundo.
Nascimento:
Previsão das lutas e desilusões da vida.
 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O único poema de amor que vale a pena
é aquele que ainda não foi escrito.
Está no silêncio dos olhares
na cumplicidade dos sorrisos
no envolvimento dos beijos.
E, se houve palavras para expressar
talvez não fosse tão amor assim.
O poema de amor está nas mãos entrelaçadas
que passeiam pelas calçadas,
nos olhares de intimidade
na ausência de palavras
mais poderosa que o som
de mil versos bem escritos.
A chave estava sobre a estante
lembrando que havia portas
fechadas pelos labirintos da memória.
Ousei tocá-la, mas tive medo
de quem poderia encontrar
no quarto povoado de lembranças.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Outono de uma flor

O vento soprou
a roxa flor arrebatada
ainda balançou
num gesto de aceno final
antes do derradeiro
encontro com terra. 

Solidão pela manhã

Do outro lado da mesa
há um silêncio cortante.
A mesa quase vazia
desafia o expectante
quedo e mudo, ainda inerte
pelo susto da ausência.
Duro golpe:
A porta bateu
e jamais voltou a se abrir.

domingo, 8 de junho de 2014

Quando ao inferno chegar
tomarei um cálice de conhaque
com Drummond, Bandeira e Vinicius
Lá falaremos de mulheres
dos poemas e da vida.
Compartilharemos do gozo dos insanos
das histórias de amor não vividas
e das vividas em camas estreitas
e em manchados lençóis.
Ali o cujo nos invejará
e não o convidaremos para
o cálice de conhaque.
E ele de goela seca - o cujo - suspirará
por jamais ter corpo, pênis, alma.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...