quarta-feira, 30 de abril de 2014

Golpeei o ar
fui nocauteado
pelos fantasmas.
Tentei me esquivar,
tomei um direto
no queixo.
Vim à lona.
Todos os dias
ao amanhecer
ouço o juiz
abrir a contagem.
Só me levanto
após o número dez.
Já levanto nocauteado
pelas lembranças
de um noite
mal dormida.
 
Hoje perdi os olhos da poesia
o mundo ficou sem graça e opaco.
As flores no chão, as folhas caídas
nada inspirava.
Senti-me só
abandonado
sem palavras.


segunda-feira, 28 de abril de 2014

De mim, do que fui, do que sou
do que vivi, daquilo que morri,
só restou-me uma coisa:
Meu nome na cédula da identidade,
mas ela oculta memórias que os números
do meu RG não podem contar. 

Sou coveiro das palavras
enterro-as na página em branco.
Livro-me dos fantasmas
das perdas e dos choros
em versos simples.
Cerco as palavras
com jardins em branco
e faço da página
eterna sepultura dos significantes
libertos em significados mil
nas memórias das pessoas.

Poesia vício.
Poesia sexo.
Poesia necessidade.
Vida e morte
condensada em versos.

Escrevi teu nome nas areias da praia
as ondas vieram e arrastaram-te
para o fundo do mar.
Tornei-me em onda e
partir atrás de ti,
afogando-me no mar salgado
da solidão.

Foto paterna

Olho o retrato
há vozes no retrato
silenciadas pelo tempo,
mas como gritam
em minha memória.
Arremesso o daguerreótipo no rio
e afogo as vozes que
longamente me atormentaram. 

Ignorei as mágoas
mas estas se fizeram caminho.
Pedras e pedras pesadas pedras
carreguei no embornal.
Covardemente não as atirei
e elas pesaram infinitamente.
Quando esvaziei o embornal,
as pedras viraram caminho
e caminho de pedras,
que as feridas de meus pés
me lembraram das mágoas
ignoradas por mim. 

sábado, 26 de abril de 2014

No mar do céu as nuvens
navegam sem rumo.
No mar do asfalto os transeuntes
se perdem sem bússola.
Homem e nuvem
se desfazem
no horizonte
da indiferença.
Nas grandes cidades
não há tempo de olhar:
nem para o céu
nem para os homens. 
Homem nuvem
céu asfalto
meras paisagens
perdidas nas urbes
modernas. 
 

Sequei minhas lágrimas
com farinha de trigo.
Dessa mistura fiz
meu pão de cada dia
e alimentei-me da fatia salgada
que me foi o amor.
Faltou no pão uma pitada 
de açúcar,
por isso me vejo obrigado
a engolir teus lábios todos os dias. 

Poema estratégia,
guerra armada,
batalha de palavras,
choques gramaticais,
violências verbais.
Poema conceito,
não significante,
puro significado. 

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Manhã

Os pêlos brilham acomodados ao sol da manhã. A gatinha malhada negaceia de barriga para cima; trapaceando com as patas no ar tenta seduzir seus espectadores. Os olhos verdes mimam o cão que a imita com ligeiras patadas no vento, caminhando por jardins imaginários. Rolam sincronizados à espera da primeira ração do dia. A menos o banho de sol está garantido. Fecho os olhos e experimento a morna sensação dos raios de sol a penetrar pelos meus poros. Abro os olhos, a gata e o cachorro se esfumaçaram no vapor da manhã. 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Atirei ao chão as sementes de uma flor
não era original:
uma margarida vermelha
e sangue havia em suas pétalas
que regaram as sementes
a mergulhar lascivamente no solo.
                                                   [Um dia...]
as sementes arrombaram a terra,
explodiram num jorro alegre
e chegaram aos céus
numa nova torre de Babel.
Das mais altas esferas celestiais
um anjo brincou de malmequer com as pétalas
e uma a uma caiu em terra
lembrando que o homem não pode amar
e que se os homens resolvessem amar
os anjos seriam desalojados do céu
e esses mesmos homens voltariam 
aos braços de Deus. 

 

Fila

Para tão curto caminho......
tão longa espera...

Pensei que pudesse existir um amor só meu...
mas descobri que preciso de você...

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Nem todo amor é santo,
Nem todo beijo é inocente,
nem todo toque é sem lascívia.

Porém, há sexo sem amor
há beijos insípidos
há amores virginais.

Enfim, jamais te terás por inocente:
o Amor,
o Beijo,
ou o Sexo.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Existe um verso que não é de amor;
é brutal, chocante, feio,
antiestético, averso ao belo.

Nem por isso menos sentimental
ou triste, apenas sincero. 


Irritações

Irritam-me teus lábios...
porque sempre quero beijá-los.

Irrita-me teu sorriso...
mas não posso viver sem tua risada.

domingo, 20 de abril de 2014

Páscuas

¡Dame mi pantalón, María!
¡Dame el pantalón mío, hija mía!
Que ya es domingo por la mañana
Hace sol y quiero irme a las plazas
Y no a las Misas,
pues el Cristo quemado del sol
pasea por los jardines.
Deja este balcón, María,
!Dame el pantalón de fiestas!
Y baja conmigo que
El Cristo moreno cosecha flores
blancas y rojas en los jardines
de la ciudad.


sábado, 19 de abril de 2014

A LUCIANO DO VALE

Priiiiiiiííííií!!!!!
E...o árbitro encerra o jogo....

A TV está ligada, é domingo,
mas uma VOZ calou-se.
Há toques de bola, passes inseguros,
jogadores correm pelo campo
num baile sem graça,
que perdeu a harmonia de uma VOZ.
No além há festa
e uma VOX é recebida
pelos Anjos que sopram
enormes vuvuzelas
elencando nomes inesquecíveis
do futebol que esperavam o
NARRADOR para dar início 
à GRANDE PARTIDA.

+ 19/04/2014

VINGANÇA DO JUDAS...



Mudamos para cidade em 1972. Não se pode afirmar que fora algo significativo. A diferença entre a fazenda de café e a urbe Palmital estava nos paralelepípedos. No demais, carroças de rodas de madeira abundavam pelas ruas. Havia algumas charretes com pneus, mas estas estavam reservadas aos poucos abastados da então fracassada cultura do café. 

Os raríssimos carros, então, eram dos doutores, gente sem título algum, mas que a cultura caipira, com sua condescendência exagerada, a consagrou como “dotô”. Era dotô fulano daqui, dotô fulano dali e, assim, acomodava-se essa sociedade nascente fincada no meio do cu do Judas, que este depois de ter traído a Cristo, só lhe consagraram o rabo para os rincões perdidos do interior do país. 

Lembro-me do bar do Bigode. Toda Semana Santa havia pendurado no azulejo azul do estabelecimento um boneco: o Judas com seu cigarro de palha. Nossos olhos brilhavam de desejo de espancá-lo e rondávamos o bar até o dia em que ele era atirado à rua e os moleques todos da vizinhança, armados de porretes, malhavam-no até não restar quase nada sob o olhar dos frequentadores assíduos do boteco, que entre os goles de cachaça, incitavam a molecada a arrebentar o boneco. 

A garotada só entrava no bar para comprar cigarros e pinga para os pais. Em geral, éramos proibidos de ficar ali. Mas nos raros momentos que entrávamos, os olhos atacavam os doces e as demais guloseimas com grande avidez. No entanto, não é por olhar que se come; e lá íamos nós com o litro de pinga debaixo do braço e os cigarros para os homens mais velhos molhar a boca e ficar contando vantagens na varanda de suas casas. Brigavam, faziam as pazes e ao fim da noite vomitavam, lavando a área com os restos da janta ou da bílis. Era o fim da festa e lá iam as esposas e filhos mais velhos, já taludos, a carregar os filhos de Noé para cama.

Por essa época arranjei meu primeiro emprego. Ganhava pouco, trabalhava muito e no final do mês meu pai embolsava meu parco salário. Com meu irmão, nenhuma novidade, no primeiro pagamento dele o velho pegou o dinheiro, enfiou no bolso e foi para a gafieira gastar o mês de esforços de meu mano com putas, cachaça e cigarros.

Foi assim que aprendemos a roubar. No dia do pagamento tirávamos uns trocados para cortar o cabelo, para uma camiseta e até um doce que tínhamos namorado no bar o mês todo. Tornamo-nos ladrões de nós mesmos, roubávamos para evitar a humilhação de ter de pedir nosso dinheiro para nosso pai. Depois do cabelo cortado, da camiseta nova no corpo, só restava ouvir-lhe os gritos, os copos atirados ao chão, acompanhados da expressão de mágoa sentida do velho por ter dado à vida trombadinhas, pivetes e outros coisas mais. Atravessado, o velho tomava o pagamento de nossas mãos e afogava as mágoas na cachaça e no peito das putas. 

E não é de tanto ser explorado que se acostuma, por isso, a ocasião faz o ladrão, e nem mesmo sabendo que o castigo é certo que se deixa de praticar o delito. Destarte, numa das idas ao boteco comprar pinga e cigarro, resolvi atacar os sedutores doces; pendurei na conta de meu pai doces de abóbora, batata, chocolate e um pequeno robô que mexia as pernas quando posto em chão inclinado. Tinha por essa época entre 12 e 13 anos; pouco mais jovem que meu irmão. 

Fui egoísta, não levei nada para meu irmão, a menos sabia que o livrava da surra certa. Comi com pressa e avidez e fiz mil artimanhas para ocultar o robozinho; tomava banho com ele, levava-o ao trabalho, à escola e só brincava com ele na hora do recreio. Nem para meu irmão contei como roubei o brinquedo. 

A angústia crescia a cada dia; sabia que mais cedo ou mais tarde meu pai iria pagar a conta e que minha páscoa teria traços das encenações da paixão de Cristo. 

O dia, enfim, chegou. Estava na hora de pagar a conta dos doces e eles se tornariam bem amargos como as águas de Mara. Meu pai chegou, conferenciou com minha mãe e me colocou na garupa da rei Pelé. O silêncio reinou longamente pelas curtas quadras que levavam ao bar do Bigode. 

Descemos, os olhos do Judas cruzaram com os meus; ele me ensinou a mentir, sem beijos, sem moedas, sem cristos. Meu pai se pronunciou olhando para o botequeiro: “É este?” Ao que ouviu um reprovador “sim”. “Por que fez isto moleque?” Engoli seco, quis balbuciar que ele sempre me roubou, mas faltou-me fibra, apenas respondi: “Um andante com saco nas costas – na época não se falava em morador de rua –  obrigou-me a pedir fiado. Meu pai sabia que era mentira, ele mesmo longamente escolado nas matérias dos judas pagou a conta; pegou um facão e me fez acompanhá-lo pelas ruas atrás do famigerado andante. 

Claro, não encontramos ninguém. Mas era parte do teatro; o olhar, a tensão, as mãos alisando a folha do facão, o semblante orgulhoso de quem faria seu papel de corrigir o filho infrator. Voltamos para casa. Almoçamos em silêncio. Fui mandado para o quarto, sem direito a dar um pio. Ali, todas as noites dormíamos em quatro pessoas após a morte de minha avó. Dali só sairia para o banheiro e fora-me ordenado que o esperasse até o cair da noite, quando, enfim, receberia a correção.
O dia foi longo. Nem prazer tive em desfrutar do minúsculo quarto só para mim. A partir das dezessete horas qualquer barulho no portão me sobressaltava. Ali conheci um pouco do que Judas devia experimentar nas horas que precediam à sua malhação. 

Meu pai chegou. Tirou a camisa, ficou apenas de calça e botina. Acendeu um cigarro e me mandou para o galinheiro. No antigo jardim de minha falecida vó, devido suas superstições antes de se converter ao protestantismo, havia as temidas espadas de São Jorge. De lá o velho arrancou várias delas, colocou-me de quatro no chão onde ciscavam as galinhas e desfez várias espadas em minhas costas. 

Já magoado eu nem chorava. Também estava decidido a manter a versão do andante de saco nas costas que me obrigara a pendurar os doces na conta do velho. Após as espadas, percebi que deslizava do cós da calça de meu pai o cinto. Nova chuva de pancadas, perdi um pouco a noção das horas, mas sei que escureceu. 

Fui levado novamente para o quarto. O velho apelou para o sentimental, fez-se de coitado, quase chorou. Mas minha indiferença o irritou, levantou-se, pegou-me pelas pernas e me pôs de ponta cabeça; malhou meu traseiro com gosto. Desfrutei o prazer de não derramar uma lágrima e fiquei até feliz com minha resistência. A lua se fazia em céu alto; pude vê-la pelas frestas da pequena janela. Sentado na cama o velho me fitava com o semblante raro e desconcertado; “Fala a verdade, confessa peste dos infernos”. Mudifiquei ainda mais e só não o mandei se ferrar porque ainda desconhecia a palavra. 

Tentativa final. Agora levava murros nos olhos e na boca. Engoli em seco e nem uma lágrima sequer caiu ao chão. Já cansado e após inúmeros apelos de meu vô e das mulheres da casa, o velho mandou-me deitar; não jantei nem tomei banho aquela noite; também não sei que hora dormi, se sonhei, estes sonhos se apagaram. 

Essa foi minha primeira páscoa na cidade, ou devo dizer malhação do Judas; sem chocolates...ou melhor....retificando...quase sem, afinal houve aquele em que me vi obrigado, pelo andante de saco nas costas, a pendurar na conta do velho. Anos mais tarde, com o velho já debaixo dos setes palmos que o guardem, compreendi a pergunta dele ao botequeiro se eu era o comprador dos doces. Fora meu irmão oficial, fiquei sabendo de mais gente. Será que ele teve páscoa ou apenas malhação do Judas?

terça-feira, 8 de abril de 2014

Calendário

Contemplo o calendário.
Admiro seu sadismo.
A maneira como mata os dias
e os congela em minúsculos quadrados.
Invejo sua promiscuidade
de nem chorar o dia passado
e já flertar com o dia seguinte.
Calendário de nascimentos e necrólogos,
de festas santeiras e pagãs
de datas cívicas e antipatrióticas
de datas pessoais e coletivas
de convites de casamentos e
processos de divórcio.
Sei que um dia marcaste meu nascimento,
sei que um dia marcarás minha morte,
por isso hoje te atiro pela janela,
porque não quero saber que dia será amanhã.

Gosto do som das palavras
arranhando a folha de papel.
Sinto a caneta deslizando
levemente seus carinhos no sulfite.
Folha ingrata que resiste
a meu enleio displicente.
Tento seduzi-la, reduzo a tensão da caneta
e beijo sua superfície com a tinta negra.
Mas como virgem que negaceia com o desejo
ela não se entrega a mim.
Porém, deixa aquele sorriso no ar de:
" hoje não, amanhã quem sabe".

domingo, 6 de abril de 2014

Velório

Batem na porta...

A preta voz lá fora

anuncia a ausência de alguém...

Por causa desta ausência todos saíram.
E lá foram ver quem partiu. 

A Raposa e as Uvas

Engoli em seco aqueles versos

porque não quis ultrajar

sua boca com minhas rimas. 



sábado, 5 de abril de 2014

Escondi as palavras na página em branco.

Impossível encontrá-las sobre o impresso.

No esconde-esconde, nas linhas e nas entrelinhas
há uma charada:

"Decifra-me ou devoro-te".


Aconchego

A xícara de café fumega sobre a mesa,
enquanto um anjo nu me contempla da janela....

Aspiro o aroma suave da cafeína
e o anjo bate suas asas rumo às nuvens.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Memória noturna (fragmentos)

Minha memória grita tão alto
que não me deixa dormir.
Amanhã alguém me lembre
de esquecê-la, por favor?

........................................

Ah...memória se tu fosses como
dentadura de velho
te arrancava esta noite e
te afogava num copo d'água.

.................................................

Ter memória é como morar
no apartamento de baixo
Teu vizinho defeca a noite toda
Não sentes o cheiro, mas há
uma sinfonia intermitente de descargas.
 

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Rua

Na rua há um movimento de vida
oposto à solidão do meu quarto.
Respiro longamente esse ar juvenil,
e renovo-me pelas calçadas.

As passadas largas mentem uma falsa pressa.
É ansiedade de inchar-me de vida,
de receber pelos olhos as cores do ipê em flor.

As pernas dançam um baile difícil,
as buzinas dos carros e  das motos provocam um alarido,
enquanto a voz do profeta ecoa na esquina,
misturada à voz do vendedor de vassouras.

Olhares se cruzam: desafiadores, tímidos,
inocentes, sedutores em breves silêncios,
no entrechocar mudo de palavras jamais ditas.

Mas ainda assim, brotam flores
negras pelas brechas do asfalto rachado. 




Aquele copo

Na solidão do dia

encontrei um copo de cólera;

tão escuro quanto eu.

Sorvi-o a longos tragos,

bebendo com ele meu eu,

imerso em contradições

e de ódios contrafeitos

ao gosto do tango da vida.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...