terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Madeleine

Pão francês é a minha tentação. Levantar-me cedo, ir à padaria, apreciar os pães na estufa, é um percurso particular e único. No caminho, as reflexões ganham contornos. Olho os prédios, as árvores, as ruas com seus automóveis, aspiro o ar da manhã e me sinto vivo.

A garrafa de café que ficou sobre a bancada da cozinha, à espera de minha volta, é outro prazer. Preta e com flores brancas, acompanha-me há anos. Gosto desses objetos duráveis, eles tornam a paisagem doméstica em algo familiar. 

Com a sacola de pães, na mão esquerda, enfrento as ruas. O homenzinho verde abre espaço para eu atravessar as faixas brancas que engravatam o asfalto. Cruzo com pessoas que mal se dão conta de minha existência, presas que estão a seus mundos particulares. 

Não mão direita carrego o celular e as mil possibilidades de fotos que ele guarda. Rastreio a realidade em busca da captura ideal. Os ônibus lotados levam as pessoas para o trabalho. Rostos cansados espiam as janelas, homens e mulheres varrem calçadas, sobem portas, limpam balcões e alimentam sonhos.

Lembro-me dos pães na sacola e o prazer que me prometem. O dia não está para poesia. Então, acelero o passo, guardo o celular no bolso da bermuda e sigo para meu apartamento. Uma moça passeia com seu cachorro do outro lado da calçada. Com ela, as possibilidades de uma vida são guiadas pelas patas de seu fiel amigo. 

Entro no apartamento. A sacola de pães ainda em minha mão esquerda protagoniza a espera de um outro prazer. Lembro-me de um velho costume: deixar o saco de pães dentro da sacola para que não estejam duros à tarde. Acomodo o pacote sobre a bancada e em pé tiro o primeiro pão. Mordo-o sobre a cuba da pia, sem manteiga mesmo. Depois, dirijo-me à porta da área de serviços e, encostado ao batente, devoro o restante do pão.

O celular toca e me chama de volta à realidade. A oficina quer saber o que precisa ser feito no carro. Logo eu que não sou mecânico!




Nenhum comentário:

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...