domingo, 17 de outubro de 2021

Memórias de um leitor

 Amo livros. Há anos venho colecionando-os. Na verdade, desde os meus dezessete anos, quando passei a ter um dinheiro que me sobrava.

Comprava os livros novos ou usados. Os novos têm um cheiro indescritível, enquanto os usados estão carregados de histórias de seus antigos donos. Costumava imaginar onde era a casa original deles e as mãos que os manusearam. Eles tinham viajado, às vezes, quilômetros. É o caso de um exemplar de El mundo es ancho y ajeno, de Ciro Alegría. Adquiri a primeira edição, da década de 1940. Alguém o comprou no Peru, ele viajou até o Brasil e veio aconchegar-se em minha casa. 

É como se os livros tivessem um espírito. Eles povoam nossas casas, nossas estantes, os cantos vazios, a mesa da sala de estar. Eles habitam nossas casas, espiam nossas aventuras e desventuras e, sempre calados, guardam segredos como ninguém.

Habitar uma casa sem livros é muito triste. É como se ela estivesse abandonada, sem gente. Moro com inúmeras pessoas que me aguardam dentro das capas. Sempre as visito. Algumas aguardam mais tempo, a espera pode ser longa, mas nunca reclamam. É como ter uma mãe que mora distante e ficamos felizes só de saber que ela está viva.

Os livros são fiéis, negam-se a passar para outra mão facilmente. Não gostam de ser emprestados, ficar em casas alheias, longe de seus donos. A única coisa que realmente possuímos são os livros, neles podemos por nossos nomes e marcá-los com nossa identidade.

Amar um livro é como amar um filho. Damos a vida por eles. Por isso, a cena que mais me marcou quando assisti ao Nome da rosa, foi a aquela do frei que escapa ao incêndio carregado de livros.

Minha relação com os livros começou cedo. Mas não eram livros meus, eram de minhas primas, da época que elas haviam feito o ensino médio. Como eram poucos, os li algumas vezes, até que descobri, por intermédio de um amigo, a biblioteca pública de minha cidade. Ali passou a ser meu refúgio, lia para me salvar da vida que me aguardava em casa.

Se estava com fome, lia. Se estavam meus pais brigando, lia. Se estava triste, lia. Se tinha vontade de comer um doce, eu lia também até a vontade passar.

Foi assim que comecei a me relacionar com os livros. Não me importo muito em conhecer seus autores. Quero a história, a vida ali criada, é ela quem me salva todos os dias do desespero de habitar este mundo real, cheio de pessoas insanas e indiferentes.

Um comentário:

Micheli disse...

Como eu me identifico! A literatura me salvou em muitos sentidos e em vários momentos da vida...

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...