sexta-feira, 30 de outubro de 2020

III - da sorte dos poetas

Há diante de nós
somente a morte certa
e o espanto duradouro
da vida.

Somos terra, somos pedra
soltas no chão
à espera do amor
que nunca vem.

Perdoai-nos, Senhor,
porque não sabemos amar
porque nos damos como quem ama,
mas é apenas desespero,
medo de acabar
de não encontrar no outro a fé
que faz cessar a busca.

Perdoai-nos, Senhor, a nós poetas,
que não sabemos esperar
nem a morte, nem a vida.

Nessa ânsia de gozo sucumbimos
à doce mão que nos afaga
na finitude dos gestos
incapazes de nos prender.


quinta-feira, 29 de outubro de 2020

II

Há sempre quem faça de nós
porto.
E lhe damos as mãos
nessa ânsia de amar.
Nos despimos de tudo
e damos tudo.
Não importa o que digam
as vozes, somos silêncio.
E nessa toada
seguimos a vida.
Não esperamos nada
e esperamos tudo.
Abrimos as mãos
para receber o cálido carinho,
fechamos os olhos,
abrimos a boca
e comemos a mentira
como se mel fosse.
Mas acima de tudo, amamos
e detrás de portas semicerradas
somos amados
por tempo marcado,
em quartos de hotéis
imunes ao tempo
que corre lá fora.

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

I

Queria declamar um poema
fazer-te minha ouvinte
e onde não podem chegar as mãos
chegaria minha voz.

Esta voz que imigra 
que quebra os silêncios
viajaria por teu corpo
de pétala entreaberta.

E os sons subdivididos
em sílabas átonas e tônicas
quebrariam em tua boca
como quebram as ondas do mar.

Queria declamar-te um poema
grande, enorme, assustador
que não cabe em minha boca
e por isso te estenderia as mãos
cheias de versos e sons
como um ramalhete de flores.


sexta-feira, 23 de outubro de 2020

De pedras e corações

Queria uma pedra para lascar meu coração

bater até sangrar

até ver brotar dele a poesia presa

cravada na pedra que teima em pulsar.

Mas, há tempos em que o coração é coração

e a pedra nele só o feriria

e do seu sangue não brotaria poesia.

Tem épocas que meu coração é só humano

e não cabe nele as artes da fantasia.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...