domingo, 24 de maio de 2020

Cogitações

Não que eu seja ingênuo,
mas abrir os olhos dói demais.
Sinto falta da época
que olhava e não via,
escutava e não ouvia 
Por que fui abrir os olhos
por que fui dar ouvidos
se eu era fraco
e Deus me havia abandonado?

Angústias

Espalmo minha mão
e sob ela cabe o tempo.
Passado, presente e futuro
dançam suas memórias,
seus ressentimentos
e suas expectativas.
Alguns amigos restam de todos aqueles
que se tornaram inimigos
e a face me viraram ao passar pela rua.
Caminho, sei que o tempo me espia
e pelos cantos dos olhos fujo ao seu espanto.
Não quero acreditar, preciso não acreditar
que ao longo do tempo
as pessoas mudaram tanto
e eu ingenuamente estacionei,
para o bem ou para o mal. 
Vejo meu rosto de cera no espelho
e velhas expectativas derretem
sob o calor das horas.
Sou o tempo, sou o momento
sou o homem que se assustou 
com o mundo à sua volta
e não mais voltou a si.
Deliro e o tempo se desfaz
nas horas que me restam.

domingo, 10 de maio de 2020

A origem das mães

Como nascem as mães? Em geral, perguntamos como nascem os filhos. Mas, como nascem as mães? Sabemos que não é quando chegaram ao mundo, que aconteceu muitos anos depois. Umas nasceram antes, outras depois, conforme lhe foram vindo os filhos.

Quando surgiram efetivamente as mães?  Eva foi mãe obrigada. Nasceu, teoricamente, de uma costela e depois, expulsa do Éden, foi obrigada a dar à luz, com dores, diga-se de passagem. 

Algumas mães forçaram as expectativas e foram mães quase na época de serem avós ou bisavós. É o caso das mães de Isaque e João Batista. Então, sem novidades com as mulheres de 45 ou 50 anos que hoje fazem inseminação artificial. A diferença é que na época Deus resolvia as questões. 

Temos as mães que surgiram de uma violência. Estupros em casa ou na rua e pronto. Grávidas, viram-se obrigadas a encarar a situação ou se livrar delas. Muitas aceitaram ser mães. 

Outras meninas, ainda sendo meninas, viraram mães e serão mães por quase toda a vida. Pouco terão conhecido da vida antes da maternidade. 

Algumas, mesmo sem nunca terem dado à luz, serão mães pela vida toda. Nas expectativas, nos sonhos, na esperança de um dia serem mães e segurarem uma criança no colo.

Mas, qual a origem das mães? Quem teve essa divina ideia de que deveríamos nascer de uma mulher e amar essa mulher a vida toda? 

Amor de mãe é o único amor que não morre. Os parceiros e as parceiras passam, os casamentos se desfazem, mais filhos nascem e as mães não passam. Elas continuam ali, eternas, mesmo depois de não estarem mais por aqui. 

Não sei quando nascem as mães. Sei apenas que elas não morrem, elas permanecem, mesmo quando fisicamente se desfazem nas ordens do mundo. Na memória, porém, nas lembranças, nas recordações, as mães serão eternas enquanto durarmos. 

Mãe não acaba, se desfaz em estrelas para que iluminem nossos olhos. 




sexta-feira, 8 de maio de 2020

Não, dói. Mas e sim, dói também?

Esses dias conversando com uma amiga nos surgiu o tema do não. "Não", dói; é inevitável, mesmo que nos preparemos e falemos ao mundo que se a resposta for "não" estaremos preparados e vida que segue. Basta, porém, chegar o "não" e nos vemos chorando, tristes e toda aquela positividade vai pelo ralo. 

Somos seres humanos e gostamos de aceitação. Até aqueles mais atirados que dizem tocar o "foda-se" têm seus momentos de insegurança diante do "não". E não importa o tamanho da pessoa ou da idade. Cada um reage ao "não" de uma maneira. Alguns desistem dos planos, outros ganham mais forças e querem provar ao mundo sua razão e o "não" vai movendo o mundo.

O "não" também vende muitos livros. A livrarias estão cheias de livros de auto-ajuda, de como ganhar dinheiro, de como fazer sucesso, de como tocar o "foda-se", de como conquistar a pessoa amada, de como Deus te compreende e te aceita como é, ou seja, cheio de "nãos" na vida. Afinal, Jesus gosta dos rejeitados. E nada como um bom "não" para estarmos nas filas da igrejas, recebendo uma benção, uma missa, tomando um passe, recebendo um axé, tirando a sorte no Tarô. O "não" move o mundo e suas finanças. 

Mas e o "sim", ele dói? Será que o "sim" tão esperado tem o poder de nos transformar ou acontece como passou a Saramago, que após receber o Nobel de Literatura olhou para sua Pilar e disse: "Y qué"? E "daí"....esperei tanto por isso e do que vale esse prêmio agora. Veja, não é um "e daí", como o do presidente do Brasil, não é "e daí" de um qualquer, é de um dos maiores escritores da Língua Portuguesa. Ele recebeu um "sim" e com ele a pergunta existencial: o que faço com ele agora?

Em As visitas do Dr. Valdez teve um sim que doeu muito. O personagem pediu a filha de sua amada em casamento, para chamá-la aos brios e ver se ela dizia não e aceitava seu amor de homem. Para surpresa dele, ela aceitou o pedido e lhe deu a filha feia para casar. Sem saída, casou. O "sim", neste caso doeu e enterrou a paixão por aquela que veio a ser sua sogra.

É...o "sim" pode doer tanto quanto o "não". Tudo depende das circunstâncias. Quantos de nós tínhamos planos considerados grandiosos e de "sim" em "sim" fomos chegando a ele. Alguns anos depois, vem a idade, as desilusões e nos perguntamos se realmente aquele caminho era o mais acertado.

O "sim" pode nos levar ao comodismo, a engordar nossas barrigas, a ancorar o barco em alguma encosta, enquanto há um oceano lá fora nos esperando. E aí, quando cansamos do "sim" já não temos mais coragem de sair a mar aberto e estacionamos. O "sim" pode doer como um peso que amarramos ao pé. Nem reclamar nos dão o direito. "Você teve tudo nada vida", "Quantos gostariam de estar em teu lugar", "Você é um ingrato". Pois é, o "sim"  na hora errada pode nos levar à ingratidão e a dores desnecessárias. 

Mas, será que o "sim" dói mesmo? Penso eu que não. Gostaria de ter "sim" todos os dias, evitar psicólogos, psiquiatras, choros, traumas. Nada como um "sim" para me alavancar. O "não" me cansa, me tira do sério e me obriga a lutar mais pela mesma coisa. Lutar é bom, mas receber "sim" é ótimo.

Antes de terminar, deixo mais uma consideração para não dar a questão por fechada: às vezes o "sim" dói, tenho de admitir. Esta semana perguntei ao oftalmologista: Terei de usar lentes multifocais? E ele: "sim". Esse sim doeu e bastante, inclusive no bolso. 

domingo, 3 de maio de 2020

Todos os seios de minha vida

Paulo Betancourt. Homem honesto, pai de família, três filhas, talvez uma amante mais séria ou outra no percurso, mas nada que o pudesse desviar dos santos caminhos que o Papa indicava a seus fiéis. Não tinha culpas, nem remorsos. Cuidara da família com esmero, as filhas estavam gordas e a mulher havia passado pelas mãos de alguns dos melhores cirurgiões plásticos do país. Ele mesmo implantara uns 500 ml de silicone em sua esposa. Algo que não fez sem certo interesse. 

Os seios agora fartos de sua esposa traziam prazerosas lembranças. Em cada uma das gravidezes os seios aumentavam, o leite jorrava abundante, as crianças mamavam até adormecer. Naqueles tempos tinha mais atração pela esposa. Os seios cresciam diante de seus olhos como duas luas cheias, brancas, leitosas, prestes a explodirem. Guardava para si essas manifestações com certo receio que a mulher percebesse.

Paulo em seus momentos conjugais tinha dois fartos seios em suas mãos e boca. Homem feliz, não havia por que se separar ( a mulher sempre engravidava). Algumas vezes se dava ao luxo de novos seios, todos eles cheios de leite. Interessava-se por mulheres que amamentavam. Como médico era fácil ter acesso a essas mulheres. Muitas delas estavam em depressão pós-parto, inseguras, achando que os maridos jamais se interessariam de novo por seus corpos. Ele as ganhava para si. Cheio de elogios, palavras doces e em duas ou três consultas, elas estavam em sua cama ou na maca do consultório mesmo. 

Eram meses de felicidade, em alguns casos, mais de ano. Aconselhava, de acordo com a OMS, que amamentassem por pelo menos dois anos. Tudo, porém, se acabava com o leite. O término da amamentação encerrava peremptoriamente seus casos. Sem palavras doces, nem argumentos, as despachava como se fossem cães de rua.

Nunca nenhum marido o procurou. As mulheres ainda com os filhos de colo não tinham coragem de contar aos esposos que se deitaram durante toda a amamentação com o médico da família. Além disso, Paulo jamais saiu com mulheres pobres, eram todas de classe média ou ricas, onde os escândalos vão para debaixo do tapete ou viram eternos segredos.

Paulo ficava cada vez pior. Tinha delírios, sonhos, às vezes, acordava alto da noite em prantos por algum seio perdido. Desde essa época, começou a ir à Espanha todos os anos. Vira uma notícia em um jornal velho sobre um tal de "mamaço", onde mais de quinhentas mulheres amamentavam ao mesmo tempo em uma praia. Não pensou duas vezes. Encontrou como desculpa um evento de médicos para aqueles dias em Mallorca. Foi sozinho, não levou a esposa, nem as filhas, que protestaram duramente. 

Hospedou-se em um hotel chique. Na noite anterior ao evento, Paulo bebeu, cantou, fumou charutos, quase se deitou com uma mulher de seios pequenos, mas em cima da hora desistiu. Queria estar limpo, puro para o dia seguinte.

Levantou mais cedo que todos os hóspedes, não tomou o "desayuno" e saiu apressado. Chegando à praia, o médico sentou-se em uma rocha, protegido por algumas folhas de palmeiras. Suava frio, tinha desejos indiscretos que à força de um falso pudor, desfrutava apenas para si. 

Paulo não queria chamar a atenção, olhava para os lados, verificou se o posto lhe garantia a segurança que carecia. Tudo estava certo, era esperar pelas mães que em breve deveriam encher a praia com seus rebentos entre os braços. E, realmente aconteceu, a praia começou a se encher com mulheres de todas as cores e idades. Os seios à mostra, todos carregados de leite, fartos, pesados, mas de uma elegância natural de que são portadoras as mulheres nesta etapa da vida. 

Logo, o médico percebeu que seus cuidados foram exagerados. Havia repórteres do mundo todo, curiosos, maridos, companheiros, companheiras, crianças e o prefeito da cidade, que fez um discurso antes. Os homens com algodão doce e pipoca faziam a alegria das crianças, o vendedor de refrigerante e água se instalou próximo à faixa de areia. Paulo estava seguro, podia ser mais um, um falso apoiador, um defensor da amamentação. Teve um brilho de nobreza rápido em seus olhos. 

Pronto. Estava tudo organizado. As mulheres (quinhentas, imaginem só) se sentaram à beira-mar e ali mesmo, com os dois seios à mostra cada uma, deram de mamar a seus filhos. Um espetáculo, uma enorme força da natureza brotava delas e lhe enrijecia suas partes pudendas. Paulo, o pequeno Paulo, sentia-se no céu, um ministro do Senhor, um homem sortudo por testemunhar tal exibição. Se pudesse seduziria todas. Eram tantos os seios que as imagens lhe chegavam embaraçadas. O médico acordou no hotel, cercado por pessoas e alguns socorristas, que atribuíram ao calor o mau-estar que o senhor sentira. Na verdade, fora emoção, uma tão carregada emoção que o levou a uma espécie de mal-súbito, um desmaio. Teria de voltar e estava certo que voltaria ali todos os anos de sua vida. 

O médico fez a viagem de volta ao Brasil embalado pelas imagens. Dormiu quase o voo todo, sonhando com os seios que vira. Ao desembarcar, estava eufórico, nem sequer o fuso-horário lhe tirava o ânimo. Chegou em casa, abraçou as filhas, beijou a mulher, trouxe presente para todas. Subiu rapidamente as escadas, tomou banho e avisou que iria de metrô para seu consultório. A mulher estranhou a excentricidade, mas resolveu não dizer nada. O marido estava com os olhos injetados que lhe deu certo medo.

Ele estava certo. No metrô havia mulheres com crianças de colo. Ficou observando e entrou no vagão onde algumas delas acharam espaço. Com os óculos escuros, podia observar sem ser visto. Não demorou muito até que uma delas tirou um dos seios para fora e começou a amamentar. A sensação que tivera na Espanha voltara violentamente ao seu corpo e todo ele tremia, quando do nada levantou um homem e foi furioso em direção de onde estava sentada a mulher.  "Puta"! Gritou o homem. "Como ousa amamentar aqui!" "Há homens, mulheres, crianças, sua descarada!". A mulher tremia sem saber o que fazer. Paulo levantou de um pulo, avançou para o homem e o estapeou com toda a força, quando ele caiu, o médico subiu sobre seu corpo e começou a esmurrá-lo, deixando-o quase desacordado, diante dos gritos das mulheres que o incentivavam, "isso, mata esse desgraçado"!!! Outros homens tiraram Paulo de cima do corpo inerte. Ele desceu na praça da Luz.

Paulo estava satisfeito. Ainda não localizara bem onde descera, mas estava feliz, eufórico, por ele teria matado aquele infeliz que, momentaneamente, lhe roubou a luz do dia. Tirou um cigarro do bolso e fumou, fumou, fumou até o sol arder-lhe nos ombros e ele despertar com o relógio da igreja anunciando a hora da Ave-Maria. Não chegou a ir ao consultório, precisava voltar para casa, jantar com a família, contar melhor sobre o "congresso". Inerte, voltou para para dentro do metrô e fez a viagem de regresso.

Em casa, tomou banho e desceu para o jantar. Não esperava pelos sogros, mas eles estavam ali e isso o livraria da caceteação de responder às perguntas da mulher. Estranhamente os abraçou, serviu um vinho para o sogro, um suco para a sogra e o jantar correu maravilhosamente bem. Todos se despediram, a mulher o olhou com os olhos agradecidos e ao mesmo tempo aflitos. Ela escondia algo, era certo, só não tivera coragem de contar durante a hora da ceia. 

Paulo subiu para o quarto e a mulher prometeu que assim que pusesse um pouco de ordem na casa, para o dia seguinte, subiria. Era certo que ela escondia algo e adiava o momento da revelação.

Não havia mais o que fazer e ela subiu como se escalasse uma montanha. Deu de cara com o marido ainda acordado. Sem escapatória, sentou-se ao seu lado e começou a falar mansamente: "Paulo, me escute, por favor". "Fale baixo, as meninas estão acordadas". "O que foi?" Por que todo esse mistério?" Você saiu com outro, por acaso?" "Antes fosse, Paulo!" "É pior!" "Lembra-se de meus exames de rotina?" Lembro.!" Pois é...aconteceu algo". "Estou com câncer no seio esquerdo, vamos ter de tirá-lo!" Paulo quase desmaiou, olhava para sua mulher como hipnotizado. Pensava: "Não, aquilo não podia ser verdade". Era fatal demais. No entanto, engoliu seco e falando baixo disse: "Eu te opero, nenhum outro homem porá as mãos em você".

Uma semana depois a esposa de Paulo entrava no centro cirúrgico. Lá estava ele, enlutado, viúvo em vida a esperar pela mulher. Tudo estava organizado; então, começou a fazer a cisão, o corte que mudaria suas vidas para sempre. Lembrava-se das vezes que colocara a boca naqueles seios, em que fora amamentado nas três gravidezes, seu mundo despencava. O seio da mulher, tirada a prótese de silicone, boiava sobre a palma de sua mão. Não foi feita a cirurgia reconstrutora. Por algum motivo que ele não compreendia, ela lhe exigiu isso para que a operasse. 

A operação, do ponto de vista cirúrgico, foi um sucesso. Em poucos dias ela estava em casa. Reinava um silêncio absoluto, o casal se media, mas não se falava. Era como se o seio que faltava tivesse colocado uma barreira entre eles. Paulo passou a dormir no quarto ao lado com a desculpa de que ela precisava descansar melhor. No fundo, horrorizava-lhe aquela imagem da mulher nua, com um único seio. O corte perfeito, a sutura certa, a cisão seria definitiva entre os dois.

Um ano passou-se e Paulo se tornou cada dia mais alheio à mulher. É como se não a visse, não a enxergasse, era como se ela fosse um vulto para ele, um ser inominável. Desta vez, viajou para a Espanha sem dizer nada, sem desculpas, sem congressos, estava livre, a mulher nada mais podia lhe impor. Chegou com um mês de antecedência a Mallorca. Se ele fez algo errado nunca nominou-se.

Naquele ano, de cuja memória não se há notícia certa, Paulo participou do mamaço. Sentou-se à areia, tirou os seios perfeitos que agora exibia e deu de mamar a um menino. Ele nada sugava, mas a sensação de estar ali, de ser reverenciada como uma igual, a levou ao êxtase. No calçadão, a esperava um espanhol típico, de seus cinquenta anos.

Ao final daquela tarde, Paulo morreu. Agora, Paula começava uma nova vida, sem mulher, sem filhas, só seu filho Juan de 2 anos e seu amor espanhol. Nas noites quentes de Mallorca agora é ela quem amamenta seu amor e exibe à lua seus seios brancos e leitosos que um dia lhe foram roubados. 


  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...