terça-feira, 31 de março de 2020

Amanhã é domingo

Hoje é domingo
amanhã será domingo
porque no domingo
nada fazemos
e por ora nada há a fazer
a não ser esperar.
Esperar pela crise
pela enfermidade
e de mãos juntas em alto
rezar para que não nos pegue,
afinal é domingo
e no domingo até a doença
tem de ficar de folga.
No domingo não se morre
é dia de comer macarrão
e saborear frango assado.
No domingo não se vai a velório
porque no domingo se vê TV
se ri das bobagens e no fim do dia
se fica depressivo
porque amanhã pode ser segunda.
Mas por ora, amanhã é domingo
e no domingo, nada fazemos.

sábado, 28 de março de 2020

Um anjo colhia maçãs

Um anjo de dedos longilíneos colhia maçãs
mas, antes, era como se as acariciasse
e seus olhos cresciam diante dos frutos
saborosos, vermelhos, pecaminosos.
Um anjo de suave voz cantava
com a maçã em suas mãos
e todo o mundo cabia naquela esfera vermelha,
que dançava entre os dedos finos angelicais.
Um anjo retilíneo crescia em minhas pupilas
e eu não via mais a maçã,
não escutava mais sua voz
não via mais o mundo.
Um anjo cubista, cheio de quinas
saltou da tela, caiu de seu céu
e comia maçãs na sala de minha casa,
sem se importar se da humanidade compartilhada
do infinito para o finito das coisas, marcaria
o fim do encontro tão desejado.

terça-feira, 24 de março de 2020

Um ar de nada

As maçãs dormiam quietas sobre as peras....
como não me lembrar desses sabores
desse ar de gente pela casa
dos abraços apertados, dos beijos quentes.

Estou só, estamos sós...
só não sabíamos que a memória
era capaz de girar a chave
e encher a casa de fantasmas.

Olho para as maçãs sobre as peras,
elas continuam quietas silentes
e meu abalo é apenas uma energia
a pairar entre os copos na cozinha.

sábado, 21 de março de 2020

É tempo

É tempo de mãos dadas
de ombros largos
de olhares solidários
de ser o Outro
de ver o Outro em nós.
É tempo de amor
mesmo que haja a dor.
É tempo de confortar
e de se aconchegar
em quem está ao teu lado.
É tempo de expandir:
o coração
a mente
as mãos,
que de palmas largas,
aprendem a acolher.
É tempo de se recolher
mas não de se encolher.
É tempo de poesia
porque a poesia
não pode esquecer
o irmão desconhecido
que no hospital dorme
e sozinho agoniza.
Que minha poesia
não seja egoísta
porque é tempo de mãos estendidas
e olhares carinhosos.
É tempo de morte
e de luta pela vida.
É tempo de se desfazer
dos falsos apertos de mãos
e de ter gestos maiores que os abraços.
É tempo de lutar contra o tempo
e não estar de mãos vazias.
Que eu não caminhe só e cabisbaixo
mas que em vigília carregue o andor
do terço de nossas feridas.
É tempo da poesia ser  uma oração
e a oração uma poesia que nos livre
momentaneamente
do trágico fim que nos espera.

sábado, 14 de março de 2020

Sem rumo

Estamos indo em frente,
mas o que aprendemos
neste brejo de ansiedades?

Estamos indo para algum lugar
e os passos guiam-se pelos compromissos.

Os pés não sabem, a mente não sabe
só seguem este ininterrupto
regurgitar do tempo.

O certo é que passamos
e nos desfiamos nas lixas dos ponteiros
que não se cansam de desgastar
os dias, dividindo-os em segundos,
minutos e horas.

Estamos indo sem hora certa
sem dia marcado
para a inevitável partida,
quando os relógios serão estraçalhados
e o tempo submergirá a este monstro
chamado eternidade.
O humano
o inumano
o ser humano
na sua pequena humanidade
inativa.
O humano
sofre de inanição
inevitável
inabalável.
Nas pequenas certezas
incertas
indubitáveis
inexoráveis
belezas
do ato mesquinho
pequenino
que é ser humano.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...