"Foi o momento mais difícil de minha vida". Isso foi dito pelo meu irmão ao cavar, entre lágrimas, a última morada de Pingo. Ele ficou na família por anos. Agora voltava à terra no mesmo lugar em que fora encontrado quando filhote.
A Tekinha, que era outra cachorra que meu irmão tivera, havia morrido há poucos dias, sofrera muito com as dores e, por fim, voltou à terra. No lugar em que fora enterrada, surgiu um novo cãozinho, ganindo, com frio. Alguém o abandonara perto das bananeiras, numa noite de tempestade, na chácara de uma amiga de meu irmão.
A vinda de Pingo foi vista por ele como a reencarnação da cachorra que partiu. Não que ele fosse espírita, mas a coincidência o abalou bastante. Logo, ele surgiu na casa de minha mãe com aquele minúsculo animal e com a promessa de que o cãozinho ficaria por apenas alguns dias. Não ficou, passou dez anos na família.
Quase todos os dias, meu irmão visitava nossa mãe, e também o Pingo, que quando chegou a hora de ir para a casa definitiva se negou a partir. Algumas horas na casa de meu irmão e pronto, o cachorro queria ficar na casa de minha mãe. Foi o que aconteceu, ficou para sempre, naquele para sempre determinado pelo destino, que decide quando romper o fio da vida.
Pingo virou membro da família. Também cresceu. O nome ficou inadequado, pequeno demais para o tamanho do cachorro. Mas, nome é nome e Pingo ficou ali, ocupando os espaços, dormindo pelos cantos, acompanhando minha mãe na hora de fechar a casa e dormir.
Pingo foi um cachorro preguiçoso, doméstico demais para latir contra os gatos. Adotava todo gato que pulava o muro da casa de minha mãe e com eles fazia a maior farra. Deitava sobre os gatos, corria atrás deles para puxar-lhes pelo rabo e não teve jeito. Alguns gatos passaram a frequentar a casa e a dividir a ração com ele.
Meu irmão sempre tem uma hora determinada do dia para aparecer na casa de nossa mãe. Em pouco tempo Pingo aprendeu a ouvir os sons da bicicleta antes dela chegar ao portão e, então, se plantava ali para recepcionar meu irmão. Reconhecia-o pelo cheiro ou pelos ruídos das pisadas, que nós não percebíamos, mas que para ele indicavam a chegada de seu segundo dono.
Não foi diferente ontem. Após sofrer por alguns dias, Pingo esperou ansioso a chegada de meu irmão. Durante a manhã ganira um pouco, chorara, recebera o afago de minha mãe. Porém, mais nada restava a fazer a não ser acompanhá-lo nas últimas horas de sua vida.
Nessa tarde de sábado ele não pôde ficar no portão aguardando seu segundo dono, não ouviu o barulho da bicicleta nem acompanhou os sons dos pés de meu irmão. Pingo, deitado como estava, ficou à espera dele. Recebeu-o de olhar triste, partido o coração por saber que não comeria mais em sua mão.
Pingo morreu ouvindo a voz de meu irmão. Como se não quisesse morrer em silêncio, Pingo ouviu a voz humana até seu último momento na Terra. E assim, entre afagos e sussurros, Pingo partiu, voltou ao local de origem, está plantado junto às bananeiras onde foi deixado em meio a uma noite de tempestade.
2 comentários:
Ler este conto foi uma experiência agradabilíssima. Um registro muito sensível da vida cotidiana e doméstica. Parabéns, Weslei!
Obrigado, Loide. :)
Postar um comentário