domingo, 31 de março de 2019

Caminhante

A Antonio Machado
Todo pasa, todo queda
Como olhar para frente
se ficou para trás o fôlego
dado ao passo trôpego?

Caminhante, o caminho
também se faz olhando
aquilo que os olhos ignoram.....

Caminhante, o caminho
também é percorrido com os passos
que ficaram para trás....

sem pernas, sem corpo, só rastros
e o passado é esse fantasma
que jamais vê o pôr-do-sol....

Caminhante, não há caminho
que uma vez conhecido
deixe de ser nosso caminho.

Caminhante, só é possível seguir
buscando aqueles que hoje em sombra
iluminam o eu que ficou para trás....

sexta-feira, 29 de março de 2019

Tecituras

A questão é achar a ponta
passar a linha pela agulha

porque se não pode haver pontas soltas,
também não há ponto sem nó.

E quando eu juntar a minha ponta 
à sua ponta solta e der o nó
do outro lado da agulha,

remendarei o tecido da dor
e cerzirei o buraco da ferida.

Quando ele abrir de novo  [e é certo que abra]
nossas mãos terão linha
para remendar

e juntos teceremos aquilo
que os fios soltos de nossas existências
jamais puderam fazer separados.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Reclamada ausência


Por que, ignorante, reclamo da ausência?
Ela é presença constante
que em vazios, me preenche os dias,
é recordação pura, bruta em estado maior
de gritâncias, gestos e protestos.

Ainda sem teu corpo, o que reclamo
é a ausência física, 
porque gritas em meus ouvidos
mal vejo a luz do dia me despertar.

E é sob gritos de protestos que adormeço
apegado a essa ausência branca, pura, intocável,
que me afaga os cabelos e sobre os joelhos
me nina e mima em afetos e esperanças.

Esperanças de que os sonhos antecipem o encontro fatal,
inevitável dos corpos que se consomem em corpo,
um corpo de verdade, embebido 
de suor, pele, boca e mãos em comunhão.

domingo, 17 de março de 2019

Mexericas

Sei que não posso dar tudo o que queres, porque sei também que a vida não te dará tudo o que desejares. É uma equação complicada de se resolver no coração, impor a ele a razão em vez da emoção. Teus pedidos ainda são simples, mas percebo que alguns deles eu não consigo cumprir e isso me causa uma frustração enorme. Mas também sei que se der tudo, estarei mentindo o mundo para ti. Difícil esta tarefa de Madre Teresa e carrasco ao mesmo tempo.

Pela manhã, comias mexerica. Antes, porém, passavas-a pelo rosto e admiravas a cor laranja da casca. Então, colocaste a mexerica diante de mim e falaste: tira a casca...e enquanto eu retirava os pedaços da casca, ias criando animais, bichinhos de estimação e realidades novas iam brotando dos fragmentos colocados sobre a mesa. 

Neste momento, pensei em todo o desserviço que fazemos às crianças dando a elas todos os brinquedos prontos, achando que com isso estamos agradando ou dando mostras de carinho. Há um universo na cabeça das crianças, elas criam mundos, tecem fantasias e são felizes com cascas de mexerica ou com o brinquedo mais caro que tenhamos comprado em uma loja. Do mesmo modo, rapidamente esquecem a ambos.

Os gomos ficaram para trás, espalhados pela toalha da mesa, eles não tinham mais importância, as cascas eram um mundo perfeito para teus olhos. Queria proteger-te das dores, das desilusões, das frustrações que o mundo te proporcionará, mas sei que não tenho tantas mãos e nem tantos olhos, sei que precisarás viver também, experimentar o mundo e saber que antes de comeres os gomos da fruta, terás muitas cascas para arrancar. Mas, isto, terás de aprender sozinha.

Experimentei esta sensação de impotência e culpa, porque também haverá vezes que a causa de teus sofrimentos serei eu mesmo, quando caíste do sofá pela primeira vez e imitando Gregor Samsa, que talvez nunca venhas a conhecê-lo, mesmo havendo mais de uma edição em minha estante, mexias desesperada, sem saber o que havia acontecido, as pernas e as pequenas mãos contra o enorme céu branco do teto do apartamento.

Ali soube que te machucarias e que estava longe de ser um mundo perfeito para ti e me culpei por dias, me impus um autoflagelo exagerado e uma semana de pedidos de perdão em teu ouvido, que ainda nem distinguia os sons da língua. 

Sei que estarei distante em muitas situações, que não poderei estar na sala de aula no teu primeiro dia da escola, que não poderei escolher teu namorado e por mais que eu possa achá-lo feio, para ti isto pouco importará. É...... a vida é feita de escolhas e logo perceberás que nem todas elas são as melhores e vais chorar de novo, talvez chupando mexericas em um sofá e com a sensação de que esta manhã já se repetiu algum dia no teu passado.

Não te lembrarás do teu mundo feito de cascas de mexericas, nem da manhã de domingo em que inocentemente criavas uma realidade própria e eras dele dona. Talvez tenhas o mesmo sentimento de frustração que tenho e perceberás que está crescida e que ligar para teu pai será apenas uma forma de compartilhar as dores, que são inevitáveis a todos nós.

Mas, por ora, chupes a tua mexerica, ela veio tão doce desta vez, que me arrependi de não ter pego dois pacotes...



sexta-feira, 8 de março de 2019

A la mujer de primaveras...

Cuando llegue la primavera....

Me acostaré a tus espaldas
y masticaré la flor blanca
de tu piel reluciente....

No te deseo con alas
pero que te quiero libre
para que me elijas a mí
teniendo todo el horizonte
delante de tus ojos...

No te quiero añorar más
quiero mirar mis manos
sumergidas entre las tuyas
y acostarme sintiendo el olor
de tus labios rosados
mientras veo tu sonrisa blanca
a reírme, porque suelto por ahí
vine a soñar bajo la cobija
de tus pechos y del cielo de tus ojos....

Quiero romper el vidrio
y sentirte carne y huesos
desmemoriado del tiempo
en que eras un recuerdo
y la tenía solo entre mis manos
en las noches oscuras del olvido.



terça-feira, 5 de março de 2019

A obscenidade do amor


Quem nunca amou, jogue a primeira pedra! Ou a última! Antes que venha a amar, pois, pode ser que não tenha tempo para atirá-la e seja obrigado a fazer como aqueles que pensavam em apedrejar Jesus, mas de cabeça baixa se afastaram murmurando para si seus pecados.

Amar é uma tarefa árdua, que exige energia e disposição. Amar cansa, só não cansamos de amar e quando pensamos que ele se foi, lá está o amor a nos espreitar em uma foto, uma mensagem de celular, uma lembrança, um perfume ou um gesto que remete à pessoa amada.

Amar é um ato obsceno. Ele nos tirar o pudor, a razão, os padrões antes tão caros ao nosso discurso social, que esvaziado em seus mais íntimos estertores, abjura de nós e nos deixa nus em meio à rua.

O amor é obsceno. Ele nos despe e nos deixa em estado de graça e ao mesmo tempo inseguros de quem somos e se somos o que o objeto amado desejaria. O amor dói em sua ausência, tira-nos a direção, o rumo e não há rotas seguras ou cavernas onde possamos nos esconder, seja no Jalapão seja no Vietnam, o rosto do amor tem nome, pele e gosto insubstituíveis.  

Amar é um ato de despudor. E nunca ficamos tão felizes que, quando despudorados, nos mostramos ao outro sem amarras, sem roupas, sem barreiras, que talvez até um dia havíamos imposto a passageiras paixões que habitaram nossas camas e até, quem sabe, algumas páginas de diários.

A obscenidade do amor está em jogar em nossa cara quem realmente somos. Aquele eu que até nós gostaríamos de pôr para debaixo do tapete é despido pelo amor. E é amor na última essência do que poderíamos imaginar, no mais alto grau de prazer físico e necessidade espiritual, ou como queiram chamar.

O amor é obsceno e sempre estamos despidos diante dele, desarmados, sem chão ou sem horizonte. Amor só se satisfaz com o amor que nos falta. Sem este amor que nos despe, não somos ninguém e por mais que nos vejam pelas ruas e julguem saber quem somos, só aquele que nos ama é capaz de nos conhecer.

O amor é obsceno, mas mais obsceno é viver sem ele, antes estar nu diante de quem nos completa, do que vestidos diante de quem nos deseja. O amor é obsceno, mas não aceita qualquer nudez, porque a obscenidade do amor é reservada apenas para aquele que nos conhece, para quem as palavras já deixaram de ser necessárias, para quem a luz nada mais tem de ensinar sobre o obsceno corpo que amamos.



domingo, 3 de março de 2019

No próximo carnaval

No próximo Carnaval.....
Ah.... nos próximos carnavais....

quero ser tua fantasia
o sorriso em teu rosto
quero cobrir tua pele
com a minha
e chover beijos pelo teu corpo,

meu suor será a purpurina
e como confetes
cairei sobre tua pele

beberei teu sorriso
e me embriagarei de teu suor
meus passos imitarão os teus
e na cama verei teu bloco passar

seguirei teu ritmo
e gozarei da música de teus lábios
e foliões nos amaremos
até o amanhecer

cinco dias serão poucos
e precisarei de outros carnavais
para seguir o ritmo de teus quadris
para mergulhar no mar de teus olhos,

de ti me fantasiarei
não haverá homem ou mulher

e no calor de nosso samba
de uma estrofe só
te amarei por carnavais inteiros
até que a história de nosso samba
seja cantada pelos netos dos netos

e cantarão um samba meloso, íntimo
cheio de anedotas de um amor moreno
queimado pelo sol
que iluminado pela luz
branca de tua lua
foi Pierrot, foi Colombina
e bebeu da água de tua boca
para saciar a sede.

Não me importam os outros Carnavais
não me contem de outros foliões
nem dos sambas que não ouvi

porque ao final da noite
serei teu samba enredo
até que a luz de meus olhos
apague sob a luz de teu céu.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...