domingo, 28 de maio de 2017

CONVERSA FIADA

Diria a princípio que era domingo. Mas, acabo de notar que passaram-se os primeiros vinte minutos da meia noite, portanto, tecnicamente é segunda-feira. O primeiro dia útil da semana. Linguagem capitalista, como se fossem úteis apenas os dias de trabalho. Tenho visto que eles são os mais inúteis de nossas vidas. Afinal, desgastamo-nos e nos agastamos por muitas coisas. Talvez, por isso, inventaram a úlcera nervosa. Para nos lembrar que é dia de semana e é dia útil.
O fato é que estou triste, de uma tristeza inexplicável, daquelas que só surgem à noite, quando o silêncio toma conta da vizinhança e escutamos ao longe algumas cantilenas que cuidam embalar os bebês. Então, desliguei a TV e não fui para cama; vim para a frente do computador, com uma vontade imensa de me deixar aqui na tela, de purgar de mim as dores e as realidades, as verdadeiras e as inventadas.
Queria ter o dom de inventar personagens. Criaria um à minha imagem e semelhança. Mas não sofro da heresia dos autores ou sofro da incapacidade das pessoas comuns. Assim, jogo-me no papel, desculpem, na tela branca do blog que imita o sulfite branco. Até pensei em comprar uma máquina de escrever, daquelas de quando eu tinha 11 anos e fui aprender datilografia na escola. Tenho o diploma ainda e a saudade de compor à moda antiga um conto que ficaram naquelas teclas. Lembro que a filha da professora, para meus padrões da época, era bonita e valia o fim da aula, quando ela buscava a mãe.
Mas, afinal, por que escrevo? O que há em mim que me força a digitar essa conversa fiada? É a falta de sono? A incapacidade de fazer uma oração? O que quero? Tirar a dor? Inventar uma? Fingir que não me importo com o que as pessoas dizem de mim? Ou ter necessidade de falar delas? Há, sim, uma ânsia de abraçar o mundo, mas tenho apenas duas mãos e está bem longe o sentimento do mundo. Queria ser apenas eu, livre, leve, sem as preocupações de pôr ordem no mundo. Gostaria de ser afeito à desordem.
Escrevo porque é uma forma de matar. Sim. Uma forma de cometer um assassinato. Pensando bem, uma forma de suicídio autoral. Mata-se um pouco cada vez que um texto vai à folha. É como ser uma árvore em manhã de outono e ver suas folhas buscarem o chão, cansadas de sonhar que estavam. Até as árvores se entregam, por que não posso ir à lona alguma vez? Ao menos admito que a vida não é uma luta que se ganha de nocaute, é round a round, ponto a ponto e nem sempre o final nos é favorável. 
Porém, como saí das árvores e caí no ring? Essa mania de uma conversa puxa outra, como papo de bar, leva a esses efeitos morais das considerações sobre a vida. Enfim, o texto é meu e enfio nele o que quiser, posso ocupar-me da liberdade da página sem pedir licenças, aqui ainda posso ser livre. O leitor não precisa perder tempo, os canais fechados estão cheios de adaptações de Nicolas Sparks e atendem ao desejo de felicidade de milhares de pessoas. A frouxa e alegre vida de amores e encantos que lotam as salas de psicólogos e de psiquiatras ao final da sessão de cinema.
Boa noite, não vou dormir, mas essas conversa já excedeu as linhas que valiam. Por isso, encerro aqui essa conversa fiada, de fim de noite. Quem venha a segunda-feira e com ela todas as inutilidades dos dias úteis.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Assunto antigo

Texto em homenagem a seu Cláudio, aluno de Letras. In memorian

A morte é o assunto mais antigo da literatura e de nossas vidas. Volta e meia nos vemos aos apertos de mãos com ela e, nem por isso, acostumamo-nos a essa "indesejada das gentes". Assim, como falar dela, também, é um risco. Podemos cair na cilada dos estereótipos e sair afirmando que "todos têm seu tempo", "a morte não manda aviso", a "morte já vem com um advogado", "uns vivem pouco, outros muito". 
O fato é que desta vida, longa ou breve, nada se leva, apenas se deixa. Deixamos para trás os títulos, os livros comprados a duras custas, a casa, as roupas, o carro, os amigos, a família, os filhos e as lembranças. Vivemos ainda um bom tempo na memória dos que ficaram. Demoramos a morrer, a desaparecer assim de vez, no infinito das preocupações humanas. Mas, enfim, partimos, cruzamos a linha do esquecimento e viramos breve resquício no horizonte das reminiscências.
A pessoa que partiu hoje é seu Cláudio, deste jeito, sem sobrenome, sem essa carga que carregamos ao longo da vida, como burros a puxar carroça. Agora ele tem a liberdade de deixar nessa vida os documentos, os comprovantes, as contas e o peso de deixar ou não um nome. Seu Cláudio, é assim que o conheciam. Pessoa simples, humilde, persistente a despeito das dificuldades ou reprovas. Ele provou a máxima do futebol: o jogo termina só com o apito final. Seu Cláudio fez isso. Prestou vestibular para Letras, quando seus colegas de sala tinham a idade para ser seus filhos ou netos, quem sabe. Enfrentou as críticas veladas, dó, compaixão, condescendência, com a mesma parcimônia e brilho iniciais quando virou, grande paradoxo, calouro. Ele sabia que da vida nada se leva, mas enquanto há luz nos olhos se pode aprender.
A vida é como um breve aplauso. Parece longa, às vezes pesada, mas se perderes o passo, não perceberás que alguém te aplaudiu um dia. Assim, partiu seu Cláudio, antes do fechar das cortinas, antes dos aplausos da colação de grau e de vestir a negra beca dos formandos. Foi antes do show acabar, de as histórias serem narradas até o fim. Quem sabe quais foram os livros que deixou pela metade, quais os capítulos foram fechados antes do fim?
Seu Cláudio não morreu: virou ficção, memória, fantasia. Onde quer que esteja alguém que o conheceu, alguma história terá para contar. Seu Cláudio fez isso, partiu como chegou, sem alardes, com passo lento e olhar humilde, sem que muitas pessoas percebessem que ele subia as escadas de um bloco de sala de aulas. 
Seu Cláudio hoje não precisa mais ler. Não precisa de nossa aprovação, está despido dos diplomas e dos sonhos que alimentamos em nossas carnes. Formou-se na vida e, agora, pode dialogar com Machado de Assis, Thomas Mann e Joyce, que talvez poderá vê-lo entre a miopia. Será ele reconhecido em sua voz por Borges ainda cego, ou tomará um cálice com Bandeira na Pasárgada, será amigo do rei?
O fato é esse. Seu Cláudio morreu, assim, sem eufemismos. Mas, conservou o que lhe era mais precioso: será o eterno estudante Letras que sempre sonhou, está encantando, estátua de sal plantando no meio da biblioteca de inúmeros autores. Vá em paz, agora terá o tempo da eternidade para ler a infinita biblioteca de toda a humanidade. 

sábado, 20 de maio de 2017

Acho que ela se foi, nem me avisou,
nem um bilhete deixou,
e com sua partida
o poeta que havia em mim
desapareceu, virou ilusão,
brilho apagado de uma reminiscência.
Agora não posso com essa angústia
de estar prenhe de ideias
sem ter como dar fim nelas.
Estou ausente de mim,
quando ela voltar
alguém me avise, mesmo que seja de longe
grite para eu ouvir:
ela voltou!!!
Então, não a abandonarei jamais
a terei nos meus braços 
e a afagarei como se cuidam das rosas
e ninam as crianças.
Cantarei para ela, contarei segredos
abrirei meu coração
e darei a ela meus medos e meus sonhos
embalados numa caixa de música.
Então, ela dará corda e eu girarei, girarei
até ela se cansar e fechar a caixa,
pondo fim à melodia repetitiva dos dias.


sexta-feira, 5 de maio de 2017

Um poema é o não-dito
de expressão insolucionável
que falta à voz o matiz ideal.
Desexpressão de doce mutismo
entre mil lágrimas ou despido
em amores impronunciáveis.
Esse é o meu poema ideal,
que não desce às esferas 
dos cacoetes nem dos vícios
da humana linguagem.
Meu poema se sente assim...
aqui dentro de meu peito, forte e gritante.
E como sou feliz por ter este poema
assim comigo, só meu.
Sou capaz de morrer por ele, 
pois não posso entregá-lo
às vãs palavras que tudo podem
do amor e do ódio igualmente amigas.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...