sábado, 29 de abril de 2017

Acho que desapoetei
me vi despido de palavras,
as mais estranhas possíveis
e só me restaram as comuns
do trivial diário das conversas ocas
das salas de estar
e as mil etiquetas de receber bem.
Emburrei, empaquei assim de mula
que pára e sonha de olhos abertos.
Arreceei de bons dias
e se curvo a cabeça não é por respeito;
é que mudo de palavras
perdi a mão das alvoradas
e vivo nessa insônia de matutar
o dia durante a noite.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Verbos do dessonhar

No começo era o verbo
e foi uma falação sem fim,
um palavrório de burburinho
até que se fez o homem
e a palavra nada pôde a partir daí.
Foi um reganhar de dentes infinito
e mesmo aprendendo a falar,
alfabetizado nas artes do verbo,
os homens continuaram contendas.
Hoje o verbo domesticou os homens
na arte de sonhar e ninguém imagina
sem palavras o mundo dos desejos
e são tantas palavras que deu de nascer
gramáticos e dicionaristas
para domar os sonhos nas artes corretas
das fantasias descritas.
É por isso que os homens se isolam
em seus mundos únicos feitos gaiolas
incapazes de com as palavras opressoras
sonharem juntos a liberdade do verbo.
Então, nada mais se fez e o homem
continua sozinho em solilóquios
com o verbo que aprendeu a delirar.

sábado, 1 de abril de 2017

Não cuidei que houvesse entre eles
ainda o desejo das mãos entrelaçadas
e os olhos em fagulhas dos fogos iniciais,
mas estavam ali, congelados pelo tempo.
Estátuas de praça pública, o casal
vendia, como florista, seus amores
aos transeuntes dispersos.
A idade deles era desconhecida,
os sulcos fundos nos rostos davam
aos clientes do bar pouco frequentado
a sensação de contemplar uma escultura
em madeira talhada por índios de uma tribo perdida.
Alguns até tocavam neles em atitude santa
e acreditavam herdar nesse gesto um amor igual.
Muitos ficaram ali, sempre na esperança
que algum dia outro casal, desavisado, viesse libertá-los
e assumissem o cárcere do amor que os condenou.


  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...