Acredito que a palavra "inessencial" não exista nos dicionários. No entanto, ela define minha vida. Sempre tive uma aptidão para o inessencial. Minha mente se perde em pensamentos difusos e o essencial passa à margem e vou dando giros pela estrada até acertar o alvo. Pelo menos, na direção, não dispenso o Google Maps ou aquela parada no posto para pedir informações. Ao menos tenho isso, nunca tive medo de admitir que não sei e isso é uma grande vantagem.
Meus pensamentos seguem uma linha torta, assim como meus sentimentos, que são caudalosos e intensos, mais intensos que o da média da população e isso me causa problemas constantemente, haja vista eu ter de conviver com pessoas que estão em uma marcha muito mais lenta do que a minha.
Acredito que até quando durmo meus pensamentos são difusos. Aí, sonho com mundos distantes, países diferentes, visito toda noite lugares que jamais vi e que nem sei se existem, reencontro pessoas, confesso que nem todas eu gostaria de ver e outras que até me agradam. Sonhar demais é um problemas também, não raras vezes acordo cansado para o dia que me espera.
Ter aptidão para o inessencial é uma luta diária. Não temos paz nem no momento de passar a manteiga no pão. Nossa mente já está viajando a quilômetros de distância. Temos a tendência a valorizar pessoas que não importam, situações mínimas que não mereceriam nosso desgaste e que nos levam a delírios de vingança e ou de desaforos inimagináveis que desferimos contra nosso opressor.
Geralmente, não sigo as "mentes pensantes" de nosso país. Isso me desgastava demais e a consciência do inessencial me trouxe algumas liberdades. Hoje evito responder a comentários de Twitter, Threads ou qualquer rede similar. Na verdade, não sigo ninguém que emita uma opinião, vejo fotos de viagens, pessoas, jogadores de futebol, guerras e suas injustiças e evito a última pessoa que se diz livre, mas que carrega consigo um ódio mascarado nas mensagens de autoafirmação.
Ter uma mente para o inessencial é escolher se vou ler o Processo, do Kafka ou algum texto teórico sobre minha linha de pesquisa ou se vou ler o novo contemporâneo elogiado pelo influencer do Tik Tok, que todos meus alunos leram a indicação como a última revelação do milênio. Na prática, desisto de todos eles e tento olhar para o que vale a pena na vida. Como moro em um apartamento, anseio por sair à tarde e ver o pôr-do-sol.
A mente para o inessencial é isto. Há um baita céu azul lá fora, um sol amarelo de infância e estou eu aqui a escrever sobre a minha mente. Já fiz o meu café, tomei a primeira xícara e vim para o computador. Tudo bem que o texto não me toma mais de 10 minutos com seus erros e falta de revisão, mas há um sol lá fora, um céu azul e uma temperatura de outono em pleno fim de primavera.
Escrever, porém, me tirou um pouco a ansiedade com que acordei esta manhã. O dedão do pé esquerdo estava até apontado para cima devido à tensão. Pois é, ter uma mente para o inessencial nos traz desvantagens. Não dispenso um Ansitec em alguns momentos e outros medicamentos que meus 44 anos me trouxeram. Alguns tenho planos de me livrar. Só não sei o que faço com minha mente para o inessencial. Em todo caso, o essencial para a vida me chama, o apartamento não vai se limpar sozinho, as leituras não brotarão em minha mente e depois vou baixar algum livro do Mia Couto para ler, quem sabe desperto como a criança que em vez de chorar, deu um pio de pássaro. Somos todos imigrantes neste mundo.
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