Sei-te em outra linha tem(cor)poral
e alheio aos fatos
sonho-te.
As linhas unem-se
e rompem as distâncias
do corpo ausente que fala,
dos lábios que se fendem
e se juntam a outras linhas tem(cor)porais
que não são a minha.
Mas, sei-te aí presente,
toda corpo luminescente.
E eu ausente
ocupo outro espaço na linha
incorpórea da memória.
Por isso, não existo,
sou linha-tempo de um ricto
perdido no espaço,
solto nas horas agudas,
presa da imponderável dor do silêncio.
domingo, 30 de junho de 2019
domingo, 23 de junho de 2019
Orai pelas vítimas do incêndio!!!
Esses últimos dias têm sido frequentes os incêndios na França. Ontem mesmo a televisão noticiou um outro incêndio no 11e arrondissement de Paris. Houve três mortos e quase trinta feridos. Aqui os dias têm sido longos e as noites extremamente curtas. Então, com o sol ainda alto, mas já sendo 22h00 uma fumaça preta e espessa brotou no apartamento ao lado do meu. Eu estava tentando ver o jogo do Brasil contra o Peru em um link da internet.
Neste momento, a vizinha aperta a campainha e golpeia desesperadamente a porta de meu apartamento. Mal controlando seus maxilares, avisa que o apartamento dela está pegando fogo. Foi ao banheiro e deixou a panela sobre a placa elétrica. Quando saiu, o apartamento estava tomado pela fumaça preta e a cozinha em chamas.
Saio apressadamente em busca de um extintor para entrar no apartamento e apagar as chamas. Logo descubro que não havia nenhum extintor no prédio. Nisto eu já havia subido, descido, batido à porta do síndico e nada. Subo novamente e pego meu passaporte, computador e os comprovantes do término de meu pós-doutorado, tiro o chinelo e coloco um tênis para facilitar a corrida se preciso fosse, desço com o corpo e as roupas que estavam nele (que diga-se de passagem, neste dia, não eram muitas). Com o telefone em mãos disco o 18 para chamar os bombeiros.
Devia estar nervoso, porque a moça do outro lado da linha pedia para eu sair do prédio e ter calma, que os bombeiros logo chegariam. Nesse curto ínterim, eu respondia às perguntas e dizia que não havia feridos, dando o endereço completo. Havia um pouco de pânico em algumas pessoas, principalmente nas do sétimo andar e uma calma excessiva em outros moradores do prédio que ao serem avisados, literalmente saíam à francesa como se não fosse problema deles. Alguns estavam com seus cães, outros indo passear e uma senhora, indiferente à ideia do fogo, subiu para seu apartamento como se fosse imune à fumaça e ao incêndio.
Quando olho para a moça do apartamento que estava em chamas, vi que teve a mesma ideia que eu, pegou seu computador e com ele estava abraçada e trêmula. Descubro que ela é da Guiana Francesa e vamos esperando os bombeiros. Conversa vai, conversa vem, com mais pessoas à volta e tensas, percebo que não havia largado o picolé e enquanto tentava uma solução, não o havia parado de chupar. Já havia outros vizinhos no pátio da garagem e olhávamos com os pescoços tortos para cima na esperança de que o fogo não alastrasse.
Minha cabeça fervilhava e eu pensava que meu último fim de semana na França estava se tornando um verdadeiro desastre. Comecei a calcular possíveis prejuízos e só fiquei mais calmo porque com o passaporte a salvo, era comprar umas roupas e embarcar. Só me lembrei bem depois do incêndio controlado que minha carteira com cartões havia ficado no apartamento.
Os bombeiros chegaram e subiram rapidamente. Fizeram meia dúzia de perguntas, enquanto chegavam a ambulância e uma quantidade exagerada de policiais, que excedia ao número de bombeiros. Graças a Deus, ao universo ou seja lá o que estava olhando por nós, o fogo foi controlado, sobraram as manchas pretas, o cheiro de fumaça e algumas pessoas fazendo inalação, que por curiosos tentaram entrar no apartamento e ver o estrago enquanto ainda estava em chamas.
Clima mais calmo, semelhante ao que acontece nos velórios, falávamos da Copa do Mundo de Futebol Feminino, da Copa América e das diferenças entre Brasil e França, aguardando a liberação para retornar ao sétimo andar. Um pouco de tosse, talvez psicológica, nos demos conta de que era quase meia noite.
O mundo estava voltando à sua ordem e percebo, então, que às vezes a morte pode passar muito perto, talvez ela ronde um pouco, passe do lado, lembre-nos de nossa fragilidade e naquele dia, já tendo levado consigo alguns parisienses, resolveu apenas passar por Lyon e lembrar imigrantes, estudantes estrangeiros e franceses, que se colocar no lugar do outro pode ser mais do que um ato de solidariedade.
A morte pode brotar de uma simples panela no fogão. Espero não ter mais surpresas até a volta.
Au revoir France!!! Priez pour les victimes de l'incendie du 11e arrondissement de Paris. Amen!!
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