Com a correria do dia-a-dia nos tornamos insensíveis, meras máquinas que reproduzem ações mecânicas. Ao menos estou em Maringá e isso dispensa, na maioria das vezes, a necessidade dos bons dias e boas noites. Cansei de cruzar com pessoas que me ignoram em vários lugares. Esses dias, porém, esse comportamento tem sido bem-vindo. Posso desocupar-me das obrigações da polidez e seguir enfurnado dentro de mim.
Escrever se torna uma tarefa árdua. Não sou como muitos que acham dentro de si o material literário que os alimenta. Gosto do que vejo, do que experimento, daquilo que respiro, dos sons que vêm da rua. Eles me despertam a necessidade de escrever. O duro é que estou insensível estes dias. As atribulações do trabalho têm me causado uma cegueira inspirativa.
Hoje mesmo saí pelas ruas de Maringá e fiquei atento apenas ao trânsito, de onde tiro que dirigir seja outra forma de perder a inspiração. Atento a semáforos, radares, faixas de pedestres e outros carros que nos cortam como se fôssemos invisíveis, não me prendi à cidade. E a cidade é vida. Tiro disto a conclusão de que o cronista deve andar a pé, flanar pela cidade absorvendo em seus poros o espírito que paira sobre as ruas.
Da última vez que saí e parei em um bar também foi para trabalhar. Havia corpos que ficaram invisíveis, bocas que se mexiam sem som. Para piorar uma infecção num dos ouvidos, mesmo já curada, ainda me deixava meio surdo, o que me provocou outro tipo de alheamento do mundo que me circundava e havia material de interesse.
Uma mãe, alta e magra como uma modelo, com seu filho preso a um canguru e dependurado ao seio vendia pipocas. Pipocas doces, gourmets como está na moda, cobertas de chocolate e leite ninho. A mãe alegrava a noite com seu sorriso de vendedora. Comprei-lhe uma pipoca e de soslaio ainda vi sua performance entre as mesas dos casais e amigos que compartilhavam uma cerveja e eu estava trabalhando.
Ela sim estava vivendo e eu estava trabalhando. Ela reconheceu um cão que passeava pelo bar e o colocou na conta de ser propriedade do local. Estranha essa relação do ser humano com os animais, são donos, proprietários dos bichos, enquanto eles vivem alheios a essa necessidade de posse que nos toma conta. Portanto, segundo ser feliz na noite e no mesmo lugar. Um cão e uma mãe que vendia pipocas. Quem mais terei ignorado em sua felicidade?
Olhando agora, com a medida do tempo que nos afasta dos momentos vividos, imagino essa mãe com seu filho e o cão como num daqueles finais de Charles Chaplin, quando ele com um menino e um cão seguiam pela estrada empoeirada. A vida deve ser isso: a simplicidade de um cão que nos lambe as mãos e uma mãe com o filho ao seio vendendo pipocas. Só falta o "The end" como nos filmes em preto e branco, que nem de palavras precisavam para expressar a felicidade.