Aconteceu. Felipe começou a sentir um cheiro de rosas. Não havia passado por nenhum jardim, nem havia flores por perto. O nariz respirava o odor das rosas. A princípio isso era agradável e evitava os desgostos dos cheiros alheios e dos dejetos pelas ruas. Talvez fosse momentâneo, uma memória, um evento do passado que viera à mente.
As coisas se complicaram quando sua amante ao telefone lhe disse que o cheiro do perfume dele ficara na sua cama. Impossível, ele não usara nenhum perfume naquele dia e ela insistia que o perfume estava lá como uma lembrança de seu corpo.
Então, começou a prestar atenção e sentiu o agradável perfume das rosas a lhe acompanhar. Comprou perfumes caros, cremes, sabonetes. Venciam-se os odores e lá estava o cheiro de rosas, cada dia mais forte. Ficou preocupado. Será que as pessoas sentiam o mesmo cheiro que ele?
No dia de seu aniversário despertou feliz, como nunca em todos os anos de sua vida. Porém, ao tirar a roupa e se olhar no espelho, viu um pequeno botão de rosa brotar de seu peito. Como esconderia aquilo? Entrou debaixo do chuveiro e se lavou com força, encheu o banheiro de pétalas vermelhas e quando olhou para o peito, o insistente botão de rosa ganhava mais forma e mais cor.
Vestiu uma camisa larga, grossa, apesar do calor, e desceu para o salão de festas onde aconteceria seu aniversário. Os convidados foram chegando, abraços, sorrisos e o macio das pétalas e lhe acariciar o peito. Sentiu necessidade que a festa acabasse, pensou em xingar a todos, mandar todos embora, mas controlou-se naquela fúria que era descabida para um homem que portava uma rosa no peito.
Aliviado por ninguém ter desconfiado de nada, voltou para seu apartamento e na solidão das paredes pôde respirar tranquilo. Uma convidada elogiara seu perfume, sem menção ao odor de rosas que dele exalava, se quis perguntar, calou, e isso o fez adormecer levemente no sofá.
Acordou de madrugada com um incômodo na garganta. Por certo se resfriara com o ar condicionado e agora sentia como se espinhos ferissem sua glote. Foi ao espelho, abriu bem a boca e viu saírem de sua garganta pequenos galhos espinhosos.
Como iria ao trabalho pela manhã? Como falar com as pessoas? Esperou amanhecer e ligou para a empresa. Falou algo quase incompreensível, que foi o suficiente para saberem que Felipe não estava bem. Dispensaram-no do dia de trabalho e colocaram na conta dos excessos da festa aquela linguagem quase inarticulada.
Só poderia ser um pesadelo. Resolveu deitar-se e descansar um pouco. Dormiu por horas e acordou com uma ânsia macia que explodia por sua boca. No caminho para o banheiro, vomitou rosas. Pétalas e mais pétalas, botões de rosa e mais botões rosa caíam pelo chão do apartamento.
Sentiu que seus dedos doíam e quando olhou, brotavam espinhos das unhas. A dor começou a se fazer insuportável com as horas, até que todos os galhos da roseira cresceram e lhe tomaram conta das mãos.
Deitar-se foi impossível. Havia espinhos pelas costas e pelas nádegas. O buraco no peito aumentara e havia um buquê de rosas vermelho vivo a florir seu tórax. Foi ficando cansado, o corpo a pedir cama e os espinhos a lhe castigarem os braços, as pernas e agora até pelos ouvidos saltavam ramos com rosas.
Tentou respirar, sentiu que do nariz escorriam pequenos filetes de sangue. Puxou o ar com mais força e sentiu que seus pulmões se rasgavam e lhe negavam o sopro da vida. Tentou gritar e quando imaginou ter dado um berro, explodiram por entre seus dentes inúmeros galhos com rosas. Sufocou, entrou num transe entre o sono e a vigília e de dentro de seus olhos duas enormes rosas floriram para a primavera.
Esquecido de todos, Felipe floriu todo o apartamento. Ninguém mais o viu no trabalho, sentiram sua falta nas festas e sua família julgou-se abandonada pelo filho que nunca mais ligara.
As contas se acumulavam à porta de Felipe, os jornais amareleciam, os cartões de crédito ficavam em envelopes que se amontoavam na caixa de correios do edifício. Quando as contas do condomínio extrapolaram o aceitável, o síndico resolveu tomar providências. Bateu à porta por vários dias. Ninguém atendeu. Chamou-lhe a atenção o forte cheiro de rosas que saía pela porta.
Resolveram, então, arrombá-la; quando a colocaram abaixo, encontraram uma enorme roseira plantada no meio da sala. Havia rosas e galhos por todos os cantos, como se a roseira houvesse ocupado cada centímetro do apartamento. Nada de Felipe.
Alguns dias depois voltaram com machados e serras, cortaram os galhos mais grossos e o caule da roseira. Limparam o apartamento e o colocaram à venda. Só não se livraram do eterno cheiro de rosas que tomou conta de todo o edifício.