quarta-feira, 21 de julho de 2021

Você que me ouve, pode me ligar!?

Sou do tempo das ligações telefônicas. Ligava-se, dizia-se alô e começava a conversa. Hoje as pessoas mandam áudios, alguns tão longos que parecem podcasts. Confesso que não ouço nenhum áudio que passe de trinta segundos. O camarada pode ligar e manda um áudio enorme, no qual não há interação alguma, só ele fala e nada de ter resposta. 

Sou do tempo em que se batia papo por telefone, que se ligava para a namorada do orelhão e ficava contando os minutos da ficha DDD para colocar outra. Ia com o bolso cheio de fichas compradas à farmácia. E, ali, encostado ao orelhão falava por longos minutos. Depois passei para o cartão e ligava sempre perto da meia noite para a ligação durar mais tempo. 

Depois surgiram os celulares, mas ainda eu ligava. A outra opção era o sms. Ficava a trocar mensagens pelo celular e quando a saudade era demais, ligava. Lembro que comprei um celular Nokia e fiz uma conta, porque podia ligar para a mesma operadora por tempo ilimitado. O problema era quando saía da região e entrava em roaming e os créditos não davam para nada.

Sou do tempo que para conversar mais se fazia conexão pelo MSN e ali podíamos falar por um bom tempo. Tinha a cutucada que fazia a tela vibrar. Hoje o sujeito te deixa falando sozinho e vai embora sem direito a reclamações. Dois dias depois te responde como se a conversa não tivesse ficado interrompida. Ficamos sem educação.

A vida de Whatsapp mudou as relações, mandamos emoticons, gifs, vídeos, fotos, mas pouco nos falamos de verdade. Ficamos digitando na falsa impressão de comunicação. Sou do tempo em que se gostava de falar, de perder tempo numa longa conversa, de chegar atrasado em casa porque se encontrou um amigo e ficou-se a falar. 

Acho que quero uma vida mais presente. Onde as pessoas se falam, se tocam, ouvem a voz uma da outra sem a necessidade de um celular a intermediar a conversa. Fazemos tudo por celular: reuniões, vídeo-chamadas, mensagens, áudios, conversas infinitas desde que se tenha paciência para digitar. Queremos comunicação, mas não queremos contato de verdade. A vida ficou meio vazia e de tempos em tempos penso em me desfazer do Whatsapp, porque você que me ouve pode me ligar sem cerimônias. 

Na casa de minha mãe

o leiteiro ainda passa

o carro da funerária

ainda anuncia a morte

o café ainda é coado

no coador de pano.

Na casa de minha mãe

ainda se come macarrão com frango

aos domingos.

Na casa de minha mãe

o filho ainda passa todos os dias 

a dizer oi e tomar o café.

Na casa de minha mãe

ainda o vendedor de cocada

bate ao portão

os testemunhas de Jeová

ainda trazem livretos

e são expulsos da mesma maneira

de quando eu era criança.

Na casa de minha mãe

ainda se beija o rosto antes de dormir

ainda se pede a benção

enquanto o amor existir.


 Meus versos estão ali

calados e solitários

porque não resistiram à dose do dia.

Cabe no espaço da página

uma dose de poesia

dois dedos, talvez três

para embriagar da mente

a altivez da alma.


 Hoje é preciso partir

a ilusão da chegada

não suportou a espera dos dias

e findo o período

o corpo quer sair

entregar-se à estrada

conhecer a vida

nos fazemos no caminho

onde a dor se estende à alma.

 Nas pontas dos dedos

saltam as palavras na tela

surgem mundos, emoções

vidas acabam, amores nascem

casamentos de desfazem

tudo nas pontas dos dedos.

 Hoje o dia amanheceu sujo

precisando de uma limpeza

das vistas, das mãos

que entregues à reflexão

esfregavam-se uma na outra.

É preciso partir

deixar o pó da estrada

baixar sobre os rastros dos pés.

Mas é preciso ficar

aguentar a dor do outro

estender as mãos

abrir os ouvidos

na comunhão da longa vida.

Às vezes é bom pensar

às vezes é bom calar

o nó duro no fundo da garganta.

Às vezes é bom falar

nada de digitar

deixar a voz fluir

a corrente sanguínea agir.

Às vezes, mas só às vezes

é bom não ser nada

e na inércia ficar.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...