Sempre as palavras em roda,
girando nessa ciranda solar,
lunar, infinita e sistemática de crises.
É a vida muda que segue seu curso,
natural em todos os atos.
Todos os dias esse levantar e deitar
lavar-se, pentear-se, escovar os dentes
e essas presas em fúria
disfarçadas de sorrisos.
A banal e cotidiana vida
sem mistérios e sem misticismos,
alicerçada sobre esta horrenda
argamassa a que chamamos o Amor.
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
sábado, 9 de setembro de 2017
O lobo-marinho de Guaratuba
Alguns cronistas esportivos dizem que há coisas que só acontecem ao Botafogo. Mas, vivendo aqui no Estado do Paraná, percebi que há coisas que só acontecem aos paranaenses. A semana que finda deixou na memória, sem adeuses ou despedidas esplendorosas, um lobo-marinho. O bicho, em sua longa viagem, estacionou em praias paranaenses, nas areias de Guaratuba.
Fim de inverno, com dias para lá de quentes, foi uma surpresa ver aquele parente de foca, cheio de pelos, deitado modorrentamente diante dos olhares curiosos daqueles que passavam pelas calçadas à beira mar. Velho lobo do mar - perdoe-me aqui, o bicho, em sua honrada espécie, as confusões com sua origem -, solitário, sem fêmeas ou filhos que lhe fizessem companhia em sua odisseia brasileira, parou para descansar.
Irmanados na solidão do animal, turistas também solitários, fugindo de colegas de trabalho e da caceteação familiar, marcaram um encontro mudo, com ares de guerra fria. Espionado pelos olhares, o lobo-marinho, simplesmente deu-lhes a face de seu traseiro e dormiu no seu quarto a céu aberto, na privacidade que sua vida de bicho lhe permite.
O lobo-marinho, mudo, sem uivos ou qualquer outro som imaginável marcou seu território, era imponente em seu desdém, se impunha curitibanamente aos acenos ou expressões de maior arroubo de simpatia, nem a uma selfie sequer cedeu, foi rei fora do mar, deixando-se admirar por seus novos súditos.
Nem mesmo ao Bruce Nolan paranaense, o leão deu bola. Jasson Goulart, porém, insistente, montou guarda. Abriu seu guarda-sol, pediu sua cerveja longe das câmeras, acendeu seu cigarro, deu uns autógrafos, cedeu com aberta generosidade às selfies e se fez ele mesmo atração. Na hora do almoço, do dia seguinte, Jasson noticia, com ares de tristeza, devido ao afeto já adquirido pelo animal, sua brusca partida no meio da tarde.
Solitário como chegou, o lobo-marinho partiu. Aspirou o cheiro das águas, sentiu a maresia bafejar-lhe os bigodes e lembrou-se que, do outro lado do mar, tinha família, uma leoa que reclamaria seu atraso e filhotes ansiosos pelas histórias do pai. Partiu, não disse adeus. Só Jasson, em sua solidão, quebrada apenas pela presença do câmera man, viu a partida. Sentiu que também era meio lobo-marinho, que compartilhava das ideias do bicho, sem nunca haver trocado com ele uma só palavra. Ensaiou gestos, caras e bocas e no dia seguinte anunciou a partida como quem chora pelo ente querido que partiu.
À noite, em sua casa, Jasson fumou um cigarro, refletiu sobre a vida, escovou os dentes diante do espelho do banheiro e dormiu, certo de que à noite sonharia que ele também era um lobo-marinho.
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